DESLIGUE ESTE COMPUTADOR
E VÁ LER UM LIVRO!
Jorge Furtado
 

Há mais de um ano navego quase que diariamente pela Internet. Nos primeiros meses chegava a ficar mais de sessenta horas por mês conectado. Descobri alguns sítios interessantes, vi algumas imagens curiosas, mas não lembro de nada que tivesse lido nestas centenas de horas na rede. É muito chato ler no computador. Mais chato ainda quando se está conectado. A única maneira razoável de ler coisas por aqui é salvar o texto, imprimir e ler com calma, no papel.

A leitura deve nos dar a possibilidade de saborear idéias, frases e palavras com ritmos variados, dependendo da consistência e sabor de cada quitute. Um sushi deve ser colocado inteiro na boca, como um hai-kai do Millôr. Não tente fazer isso com uma asa de galinha ou um parágrafo do Saramago. Saboreie com pequenas mordidas, observando a presa de vários ângulos. Coma com a mão, parando de tempos em tempos para limpá-las no guardanapo a caminho da janela, pensando em como são estranhos os portugueses, uma civilização gerada nas bordas do fim do mundo. (1) Lave as mãos e volte ao Saramago. Garfo e faca para o Veríssimo. Colher e prato fundo para Guimarães Rosa. Um canudinho para o Dashiel Hammet e hashi para Manoel de Barros. Vonnegut talvez já seja o caso de usar uma seringa. Descartável, por favor. Conheço um cara que usou a mesma seringa para o Vonnegut e o Paulo Francis e virou assessor de imprensa de um deputado do PSDB. Mas a cura está a caminho. Até lá, cuidado.

O livro, além de ter todas aquelas letrinhas, também é um objeto maravilhoso. O peso, o papel, o cheiro. Você já experimentou cheirar seu computador? Espero que não. A capa, a lombada, as dedicatórias, uma foto que você encontra lá dentro (Como eu estava gordo! Quem é essa de peruca?), um recibo de hotel (Lembra uma menina que, às oito da manhã, todo dia, começava a gritar "Nonna! Nonna!"?). Livro não desliga, não dá manutenção e não tem vírus, não importa o que digam do Paulo Coelho.

Não se convenceu? Então leia Uma Vida Entre Livros, de José Mindlin (Edusp/Companhia das Letras). Mindlin é colecionador (tem a maior biblioteca particular do Brasil) e, como o apresenta Antonio Cândido, é "um leitor inveterado". Patrocinou pessoalmente, ou através de sua empresa, a Metal Leve, a edição ou reedição de várias obras primas da literatura brasileira, especialmente de poesia. O livro, apesar de um certo abuso - mais de uma - no uso das reticências, é de leitura bastante agradável. Mas o que fascina é assunto. E a edição, é claro, é perfeita.

A biblioteca de Mindlin tem - e o livro reproduz em fac-símiles - raridades como a primeira edição de O Guarany, buscada por 17 anos com lances de romance de aventura, incluindo leilões, desaparecimentos, um livreiro grego e alguns mal-entendidos. Outra maravilha é uma prova tipográfica de um livro de Graciliano Ramos. A edição de 1938 está toda revisada pelo autor. Na página de rosto, Graciliano riscou o título "Um Mundo Coberto de Pennas" e escreveu embaixo: Vidas Seccas.

Que memória vão deixar estes bilhões de letras jogadas todo dia na Internet? Imprima imediatamente toda esta edição do Não e guarde dentro de um livro. Quando você e o próximo milênio já estiverem caducando, você vai abrir o livro, encontrar o Não e dar alguns bons suspiros. Ou boas risadas, dependendo do estado do livro, do milênio ou da sua próstata.

Já imprimiu? Então desligue este computador e vá ler um livro!

 

(1) "E ao imenso e possível oceano ensinam estas Quinas que aqui vês, que o mar com fim será grego ou romano: o mar sem fim é português." Fernando Pessoa.