ASSÉDIO UNIVERSITÁRIO
 
por Mairo Língua
 
"Questo" ensaio não é propriedade única, mas parte da junção de toda a perversidade e "bobageu" que juntos comungamos naquela sublime doce loucura onde alguns expressam, em fúlgidos momentos mágicos, o inconsciente deste pequeno coletivo de pensadores. Aqui a verdade é um mero partícipe que intermeia com intensidade maior, menor, ou às vezes igual, a fantasia, força imensamente superior, que dá ao ser uma realidade graciosa e heróica. A tragédia não é grega, é parte do nosso ser.
"A verdade nada mais é do que aquilo que foi dito com grande ênfase."
"... e daí!"
"... todos somos 'heroes', basta que nos reconheçam e retratem..."

O convite

Estava eu em minha desgastante, medíocre e razoavelmente remunerada atividade na Secretaria da Fazenda quando meu amigo Março Fumegão falou de forma vaga e imprecisa que haveria remotas, porém consistentes possibilidades, de eu o grande Nóico Lúfico ser o divino imperioso mestre dos meritosos alunos da Universidade Camponense.

Fiquei bastante interessado pois poderia ser mais algum capim que entraria para a manjedoura do repasto meu e de minha amada idolatrada e lisonjeada família.

Algumas dúvidas porém assaltavam a essência de meu ser. Seria novamente uma falsa ilusão? Recordava a frustrada outra oportunidade que surgira, e que meu "grande amigo" Narcel Moco fizera a gentileza de indicar outrém quando Fumegão já entabulava negociações comigo. Soube através de outro (Mairo Língua) que Moco indicara Led Duro. Lá se tinha ido minha primeira esperança de molhar o pão no molho.

Tempos depois Fumegão tornou a procurar me e comunicou que estava tudo certo, esquecendo que já tinha me preterido.

Recomendou que eu fosse assíduo e assim não ocorreria o que tinha acontecido com Led Duro que compareceu só duas vezes no semestre, sendo demitido e comprometendo suas futuras indicações. De pronto eu apresentei minhas inúmeras vantagens sobre Duro, e nas entrelinhas até sobre ele próprio; entretanto, não caberia entrar em atritos, conquanto pudesse eu auferir grossas vantagens que ora se cristalizavam.

À minha frente, de forma concreta, eu já sentia a cosca que aquele capim faria no meu bolso e em minhas mãos.

O sucesso

A contratação já era passado, chegava minha hora de plantar as sementes para depois receber o capim que tanto almejava.

Gago e Enxugay, mediante suas experiências, tentaram ensinar o padre a rezar missa me fornecendo livros e dicas sobre a arte de regência aluniva. Os inferiores, ainda que tenham cinqüenta anos na atividade, nada teriam a mostrar a um iluminado após um dia da possibilidade de contratação. Porém, eu ainda não tinha um dia e tenho que admitir que, mesmo que fosse só para aumentar a confiança, as dicas dadas serviam, em parte.

Após um dia de aulas realmente eu já era um veterano melhor que aqueles que julgavam ajudar me jamais o seriam. Certamente o primeiro dia já me dava condições de olhar com desdém tanto para Enxugay quanto para Gago. Mas por amizade e educação continuei aceitando e agradecendo as dicas que destes continuavam a brotar.

Passados poucos meses, Fumegão já sentia a força do carvão de pedra e tinha que usar toda sua diplomacia para evitar que eu, o fenômeno, fosse elevado à condição de chefe de departamento. A consagração era inadiável. Fumegão ainda tentava dissuadir a Mairo Língua e Enxugay que era tudo gênero e eu não era tão diferente de Led Duro; que poderia ser demitido; que às vezes se pensava estar bem mas nem sempre isto correspondia à realidade; que os alunos eram falsos, diziam algo na frente e por trás desciam o relho; finalmente, que a diretora lhe confidenciara que eu não ia tão bem assim, que os alunos se queixavam.

Porém, mesmo ante Língua e Enxugay, pessoas sem muitas luzes mas com alguma picardia, caía em contradição, narrando que tinha eu algum talento reconhecido pelos colegas, discípulos e até pela diretora, ou seja, por todos aqueles que segundo o próprio me detratavam.

Vagamente e com os olhos embaçados, Fumegão tocou de leve no fato da eleição de departamento, deixando escapar uma ponta de frustração pela minha indicação e sua não recondução aclamativa ao posto. Disse então que não queria, e ainda me salvara de ser colocado numa fria. Assim falando afogou-se no álcool ainda que Borge do Ganses Cacos tentasse marota e inutilmente provocá-lo falando sobre as benécias e vantagens do cargo em questão. Fez o silêncio, e neste a confirmação de tudo aquilo que os astros preconizavam: o deus crescia e sua magnificência se afirmava mesmo entre cães infiéis.

A Conquista

Na tranqüilidade do interior das salas de aulas, lá estava eu, o centro universal da atenção de meus discípulos, quando notei aqueles dois olhos negros como noite de lua encoberta e com estrelas apagadas, úmidos como a relva ao sereno. Senti um leve tremor que me entrecortou da nuca até os países baixos. O que havia ocorrido? Qual sentimento fúlgido do negro lado de minha essência masculina animal se manifestara? Fitei mesmo falando, silenciosamente aquele rostinho iluminado, os longos cabelos, as maçãs avermelhadas e os seios bem formados levemente arredondados. Por um instante o mundo afastou-se de mim e minha realidade restringiu-se a só dois habitantes: eu e ela. De súbito, a razão retornou e aquele sorriso cúmplice aflorou em seu rosto; parecia que meu momento de perdição era transparente. A campainha tocou e eu tentava negar a mim mesmo o desconcerto que passava pensando na minha amada Grisa, que roubara minha inocência mas me dera amor, cama, um filho e um lar. Quando ouvi aquele som angelical que não conhecia chamando "professor", ao erguer meus maravilhosos olhos azuis, ali estava ela mordiscando levemente o lábio superior. O arrepio retornava e rapidamente senti meu pau iniciar o processo de enrijecimento. Entre tanta doçura esqueci Grisa e Luficozinho por instantes. Ela falava, sorria maroto mostrando seus dentes alvos como marfim, propositadamente debruçava-se para frente e a blusa frouxa me brindava com a vista de seus maravilhosos seios. Encerrei o assunto recusando o convite para tomar uma cerveja, pois tinha que pegar o ônibus que me levaria a Porto. Ela, sorrindo ainda, disse meio sério meio brincando: "hoje foi só nossa primeira conversa... na próxima não quero nem aceito não... nem que tenhas que arrumar um lugar para ficar. Eu sou Lanaína".

Que ousadia, pobre menina, tão jovem e tão tola. O deus tremera mas não desabaria nunca; eu conhecia meu amor infindo por Grisa, já sabia há muito que era um homem cobiçado e não seria uma reles femeazinha jovem que conseguiria fazer com que eu traísse os compromissos com minha idolatrada. Em silêncio o ônibus percorria as várzeas escuras que pareciam levemente angustiantes. Mesmo eu, o grande Lúfico, pensava no que ocorrera e não entendia o fato. Porto chegava. Os braços quentes de Grisa, aquela doce relaxante trepada. Mas olhos negros ainda brilhavam na minha mente. Puxava a Grisa pro lado e outra bimbada. No dia seguinte, conversei com amigo Língua e ele com seu tradicional descaramento disse que eu deveria trair Grisa, comer Lanaína, perder o ônibus e passar a noite, não necessariamente nesta ordem, é claro. Dizia que Grisa me incutira na cabeça que eu a amava e que excessos de amor, fantásticos, denotavam a falta de solidez no relacionamento e fingimentos, meus e de minha amada, tudo era bobagem, eu devia era viver. Que tolice, vai ver que ele pensava em sua relação manquitolante com uma mulher opressora com contabilidades independentes. Com Grisa e eu era diferente: comungávamos tudo, até o AVON, que agora dava prejuízos, mas ainda renderia muito. Língua e Borge não acreditavam que ainda poderia vir a pagar o meu doutorado na França, muito menos que renderia US$ 5.000 por mês. O Engomado sim acreditava e ainda sugeria que eu poderia viver "momentos mágicos" em Paris. Semana seguinte e lá estava Lanaína: o doce frescor, brilho e perfume de sempre, paparicada e amada por todos, mestres e colegas. Mas eu sabia que naquele coraçãozinho só um nome estava impresso: o meu. Mas o cavalheirismo (segundo Língua, o medo de ser rejeitado ou surrado por Grisa), e minha monogamia auto-imposta me impediam de possuí-la.

A lascívia e o Affair!

O tempo passava com inexorável continuidade e pouco a pouco aqueles espinhos que perfuravam meu estado d'alma iam desaparecendo como se fossem uma bruxaria "vudu" de filme americano de terceira. Minha vida continuava sempre e cada vez mais como uma noite estrelada, sem sol mas com a lua prestes a nascer. A lua nascia, Gago Gus trazia um desesperado apelo da Universidade São Mucas para que eu, Lúfico Nóico, ministrasse a seus alunos uma disciplina, o deus cada vez mais popular e com os tentáculos cada vez maiores. O reconhecimento cultural já me incomodava, faltava agora a Academia Brasileira de Qualquer Coisa.

Com o final do semestre e o início do meu segundo período "regensivo" julgava que Lanaína tivesse desistido de ter a suprema felicidade de me amar ao menos uma vez. Talvez tivesse crescido e no maturar se entendido a inocência infantil de querer possuir aquilo que só à Grisa pertencia. Ledo engano: a tranqüilidade daqueles dias foram como a bonança que antecede a tempestade, ou como diria um companheiro que conhecera lá pros lados de Encruzilhada, um tal de Campônio Rude: "ia chovê e trovejá mais do que pingo de mijo de china fora de penico".

Ao cruzar o corredor, iniciava-se meu sublime e doce suplício. Lá estava a morena beleza da musa Lanaína. Novamente aquele arrepio me recortava o baixo ventre. Eu me julgava imune.

- E daí Mestre..., vai começar tudo de novo. - Vai sim, menina linda (disse eu já no resignado e sentindo que ela entendia e gostava de todo o transtorno que me causava). Naquele momento as luzes da cidade se apagaram, cobrindo tudo do mais completo breu. - "Mestre", isto é comum aqui em Campoancã; o problema é na transmissão, a luz "num" volta mais. O senhor não jantou, né... nem eu não. Quem sabe vamos num bar aqui perto. Lá tem luz de liquinho, se por acaso a luz voltar, voltamos.

Boa idéia, um gordo sempre quer comer algo (pensei cá com meus botões). Mas àquela altura o que eu queria ensandecidamente era mesmo beijar aqueles lábios nos quais jurara jamais tocar. Grisa, Luficozinho, etc, que se funchassem. Agora queria Lanaína de uma forma insana. Depois seria depois.

O bar era um lugar idílico: escurinho e à luz de velas, no popular aconchegante. Lanaína sentou se a meu lado, "coxa com coxa, olho com olho". Não mais resisti: inclinei meu rosto e nossos lábios tocaram se com uma suavidade e leveza que nunca julguei pudesse haver. A suavidade não retirou o ardor daquele momento, nem a leveza o vigor da tesão. Quando a razão voltou a meu ser já estávamos em um quarto de motel e Lanaína num só gesto desnudava sua formosura diante de meus atônitos olhos. Como uma mulher poderia ser tão bela e "perfumenta", seu cheiro e gosto eram doces, não como o salgado ocre das outras mulheres.

Confesso que me senti levemente acabrunhado: aquele doce perfume misturado a meu forte odor másculo pronunciado por um leve cheiro de asa. Mas Lanaína parecia ficar mais excitada. Completamente desnuda atirou se à cama e eu a segui jogando me a seu lado. Caísse em cima e ela poderia morrer.

Nos amamos daquela hora às quatro da manhã. Nada dizíamos um ao outro. Só nos beijávamos entre os orgasmos. Naquele perfume erótico e lá estava eu a tocá la de forma intensa como se a estivesse penetrando em toda a extensão com a força de cem amantes e ao mesmo tempo toda suavidade do mundo: aquela sensação de estar voando. Agora eu sabia o que era um amor muçulmano, "um orgasmo de mil anos": o que os mortais sentiam quando violentavam uma deusa. Naquele momento eu não só amara uma delas como conhecera o que era uma mulher divina. Meu deus, o que estava acontecendo? Como viveria doravante sem aquele ser tão frágil, doce e sexualmente tão intenso? Naquela noite já transáramos mais de dez vezes e eu continuava a sentir tesão e estímulo; certamente não era apenas mais um buraco e sim a hora em que o mundo parou. Dois deuses se amaram. O Olimpo tremeu. O Deus maior um pouco gordo, mas com a beleza de mil Adônis, vivera sua maior provação: amara e se saciara no corpo da mais bela jovem fêmea e agora... O que dizer à nobre Grisa, mãe delicada de minha linhagem, objeto da minha adoração?

Cansada, com o olhar longínquo, Lanaína me disse: Nunca pensei que o amor pudesse ser assim. Gostaria de não mais voltar, mas o mundo tá lá fora. Vou te levar a Porto, senão quero ficar pra sempre contigo e, já sei, não me queres assim.

Missão cumprida. Agora, o retorno silencioso ao lado de tão jovem deusa era quase tão boa quanto eu. Mas se Grisa descobrir sou um homem morto ou capado. Talvez enforcado nas tripas de Língua a quem ela chama de Iago. Porém que valeu a pena, ah, isso valeu. Queria gritar como um menino. A noite, lá fora, era de lua estrelada quase tão quente e brilhante quanto o dia; de instante em instante Lanaína acariciava meus maltratados felizes países baixos.

"?E ahora, cumpadre, que hacer?" Martelava minha cabeça a linguagem de Mário Moreno (Cantinflas). O carro andava ligeiro na estrada deserta. Lulufo, chegando eu te levo em casa e vou dormir no apê de minha prima. Tenho a chave.

Retornando a meu mundo, eu estava feliz mas machucado por muitas coisas. Minha vida não seria a mesma, a lembrança daquela suave fragância do corpo de Lanaína ainda hoje sinto.

Chegando à casa, não sabia o que dizer. Lá estava Grisa, transvertida em dragão soltando fogo pelas ventas Fifo, por que tão tarde?

É que o ônibus estragou e nós ficamos esperando socorro no frio e em pé. Estou morto. Vou tomar um banho quente e dormir. No banho ainda vi minhas partes íntimas avermelhadas pelo esforço e marcadas pelas entranhas de minha amada Lanaína.

Ninguém jamais saberia do sucedido nem eu voltaria a ter ou ver a morena beleza da musa Lanaína. Na outra semana eu saía da Faculdade. Os recados chegaram muitas vezes, mas eu sofri em silêncio meu caso de amor.

O Avon

Muitos meses se passaram e, a esta altura, Língua já não mais falava, discursava, numa raivosa pregação, como se fosse o pastor louco que prega na Rua da Praia: Não acredito, (berrava insandecido como se fosse um terneiro desmamado) paraste de dar aulas pra poder pagar as contas daquela pródiga (eu enxergava o Iago do Otelo, só não calava a boca dele a tapas porque ainda o julgava meu amigo). Bota a cuidar da casa, ela nunca vai ser promotora do Avon. Ô, Língua, faz favor de respeitar a esposa do nosso companheiro ele a ama assim, mesmo que ela seja meio tonta completava Borge à ensaiada com seu sorriso safado. Ilsquesita apoiava os detratores não por maldade, de simplória, ou cobiça a minha bela estampa, certamente.

Calem a boca, seus Iagos. A feminista de araque também. Se eu fiz um acordo para pegar o 13º das Faculdades vocês nada tem a ver com isso. Admira muito a zinha aí, que se julga feminista, querer sugerir que eu ponha a minha mulher a cuidar da casa, do filho, lavar fralda. Se eu pago creche e compro fraldas descartáveis é porque eu quero e posso. Se do Avon só entram contas, ela vai ser promotora sim. Não foi agora, mas um dia vai. Eu a apóio em tudo e ponto. Mesmo sem dar a ênfase do pastor louco, o Língua (Iago Mor) ainda tentou replicar. Soltei um "grunfe", franzi a testa e os detratores se intimidaram. Calaram a boca. Foram fazer fofocas de outro Cristo menor, mas isto já é outra estória.


"Se a lenda for maior que a história real, esqueça-se a história e imprima-se a lenda" - Lúfico.

"O maior amor é aquele que sonhamos" - Mairo Língua.

"Nenhuma mulher é mais compreensiva que a mesa de um bar. Nada supera, em gosto, a cerveja"
- Enxugay.

"A galinha alheia sempre é mais gorda e tem o caldo mais gostoso" - Campônio Rude.

"Nem o primeiro nem o último, um deles" - Março Fumegão

"A regência de caráter científico, filosófico, cultural, leva em seu leito o fascínio da sedução, da tesão e de uma penetração úmida e vigorosa na vagina de uma jovem fêmea." - Mairo Língua