COLÉGIO
 
por Tomás Creus
 
 
Primeiro dia

Nos mudamos ontem. O lugar ainda está meio vazio, espero que logo venha mais gente. Na rua não tem muita sujeira, ao menos não tanta quanto tinha no lugar anterior, mas a mãe encontrou um rato na cozinha no outro dia. Na casa anterior também tinha ratos, e até baratas, e a mãe nem ligava. Mas desta vez ela ficou preocupada. Ela disse que não gostou do jeito que aquele rato olhou pra ela.

Segundo dia

O colégio novo é legal. A turma é bagunceira e todo mundo está sempre gritando. Já fiz duas novas amigas, Roberta e Marilu. A Marilu me ensinou a arrotar bem alto e a grudar o chiclete nas cadeiras dos outros colegas.

Tivemos aula de matemática e português. A professora de português é meio boba, mas até que gostei dela. Ela disse que é só através do estudo que sairemos de nossa condição subproletária.

No recreio, a Marilu sumiu. Disse que tinha uns negócios pra fazer.

Quarto dia

Perguntei pra mãe o que significava condição subproletária. Ela disse que devia ser coisa de político. Eu perguntei como assim. Pára de pensar em bobagem e vai estudar pra ser alguém na vida, ela gritou.

No colégio, as aulas estão cada vez mais chatas. Antes eu tinha achado a professora de português boba, mas agora ela é a única professora que eu gosto um pouco, é a única que parece um pouco interessada no que faz. Ela gostou da redação que eu escrevi sobre minhas férias. Ela disse que eu tenho um ótimo vocabulário para uma menina da minha idade, ainda mais dadas as circunstâncias. Perguntei o que eram circunstâncias. Ela riu e disse que são as coisas que estão ao redor da gente.

No recreio, peguei a Marilu saindo do colégio, que era proibido. Pedi para ir com ela. Ela disse que não podia. Fiz que voltava para dentro, mas depois fiquei na porta de entrada, espiando. Ela foi até a esquina, falar com uns caras mais velhos. Eles entregaram um pacote pra ela.

Quando ela voltou perguntei o que tinha no pacote. Ela primeiro se fez de boba, que pacote? Mas aí logo viu que eu não tava pra brincadeira, e disse, é um negócio para fumar. Eu também quero, falei. Ela disse que eu era muito nova. Eu sou só dois anos mais nova que você, eu falei, porque ela tinha rodado dois anos. E depois, eu disse, eu já fumei. Contei pra ela que eu roubava cigarros do pai, quando ele ainda tava com a mãe. Ela disse que não era cigarro comum, e além disso tinha que pagar, e eu não devia ter dinheiro. Quanto é, perguntei. Dez pilas, ela disse.

A professora de português disse pra gente fazer silêncio e perguntou onde a Marilu tinha ido no recreio. Ela disse que tinha ido comprar umas balas. A professora ficou olhando, com cara de desconfiada. Ela não é boba nada.

Sétimo dia

Aproveitei que era fim de mês e pedi dez pilas pra mãe, disse que era pra comprar material. A mãe perguntou, que material, você já tem caderno e tudo. Eu disse que era um material especial, para a aula de ciências, a gente ia fazer uma experiência. A mãe reclamou um pouco, mas depois deu o dinheiro. O rato apareceu de novo, bom, acho que era o mesmo. Eu disse pra mãe que os ratos transmitem muitas doenças, a professora de ciências mesmo que explicou. A mãe perguntou se a experiência que a gente ia fazer tinha que ver com ratos. Eu disse que sim.

No colégio, a professora de português pediu pra falar com a Marilu depois da aula. Não sei bem por quê, mas deu uma confusão. Levaram a Marilu pra sala do diretor. Eu só ouvi a Marilu gritando, eu não fiz nada, não sei de nada. E no fim não tive tempo de dar os dez pilas pra ela.

Oitavo dia

A Marilu não veio na aula hoje. Depois fiquei sabendo que foi suspensa. Alguns colegas comentaram baixinho um monte de histórias diferentes, mas acho que ninguém sabe a verdade. A professora de português não disse nada, mas parecia preocupada. No recreio, eu vi aqueles dois caras que tinham falado com a Marilu rondando o prédio.

Décimo-segundo dia

A professora de português falou um monte hoje. Ela disse pra gente não desistir nunca do estudo, por mais complicadas que pareçam as coisas. Disse que a gente não deve sucumbir às forças do determinismo, e que apesar de ser difícil quando tudo o que se tem ao redor é miséria e desgraça, é preciso procurar seguir os bons exemplos. Ela mandou a gente escrever uma redação sobre o bem e o mal.

Quando saí do colégio, vi aqueles dois caras entrando.

Décimo-terceiro dia

A mãe me mostrou a pia, cheia de sangue. Matei o rato, ela disse. Eu disse que aquilo era anti-ecológico, que a professora falou que todos os animais, por menores e mais feios que sejam, precisam viver para a cadeia alimentar se completar. A mãe disse, que raio de escola é essa que um dia dizem uma coisa e outro dia outra.

No colégio, a Marilu voltou. Eu disse pra ela que tinha os dez pilas. Ela disse que ia me conseguir os cigarros especiais, mas só na outra semana, que agora a situação tinha se complicado um pouco. Eu perguntei se era por causa das forças do determinismo. Ela fez uma cara de espanto que só vendo.

Tivemos duas aulas de geografia, e nenhuma de português. Perguntei para o professor de geografia se a professora de português estava doente. Ele disse que estava. Espero que ela fique bem, eu disse. Eu também, ele disse, e depois repetiu, eu também. Mas ele olhava pela janela, e eu vi que estava olhando para o céu.