GLENDA
 
desenho de Alex Sernambi
texto de Carlos Gerbase
 
 

Já tive uma namorada que gostava de trepar bêbada de certo vinho de boa safra, outra que só atingia o orgasmo em determinadas horas, uma terceira que precisava vestir peças íntimas de cor e formato específicos, de modo que não estranhei quando, na primeira vez que fiquei sozinho com Glenda, ela disse que colocaria uma música adequada para o momento. Mulheres têm essa capacidade de cercar o ato sexual com requintes e detalhes que jamais passariam pela cabeça dos homens, interessados apenas naquilo que um maldoso amigo homossexual definiu certa vez como "afundar a chuleta no azeite".

Estávamos no apartamento de Glenda, pequeno mas confortável, com algumas almofadas de motivos indianos no chão, uma das paredes dominada por um belo aparelho de som, que inundava a sala com um jazz em volume adequado e qualidade sonora impecável. Glenda perguntou se eu gostava, ao mesmo tempo em que tirava a blusa puxando-a por cima dos ombros. Eu disse que sim, que gostava, incluindo em minha resposta positiva, um pouco entusiasmada demais, a melodia em questão e os fantásticos seios de Glenda, visíveis pelo tecido fino e transparente do sutiã.

O que se seguiu foi bastante agradável (com toda certeza para mim, e creio também para ela). Depois ficamos deitados sobre as almofadas, ouvindo o disco até o fim. Os lamentos agudos do trumpete (ou algo semelhante, mas com certeza feito de metal várias vezes retorcido), as batidas sincopadas da percussão, o baixo imprevisível, abandonando sem receio sua habitual função moderadora, não me incomodavam, mas também não me despertavam simpatia, de modo que senti certo alívio quando o CD chegou ao fim e Glenda levantou, nua, harmoniosa, bela como um concerto de Vivaldi, lânguida como uma balada dos Rolling Stones (nada como os clássicos, que erguem seus edifícios musicais segundo os cânones estabelecidos na Grécia antiga) e trocou o disco.

Ela apertou o botão com graça infinita, desta vez levando às caixas de som alguns acordes fortes e inesperados, certamente gerados por orquestra sinfônica de grosso calibre, que pareciam ser obra de Stravinski, mas depois radicalizaram-se cada vez mais, talvez Schoenberg ou algum de seus discípulos. Definitivamente, Glenda tinha um gosto musical sofisticado, moderno, muito longe do meu pop-rock-pequeno-burguês. Ela deitou ao meu lado e disse que era uma peça de Orff, de quem eu logo disse conhecer a Carmina Burana, mas ela explicou que esta era outra Carmina, a Catuli Carmina, peça altamente erótica. Ela disse altamente erótica e iniciou uma série de beijos no meu peito, de quatro sobre mim, os dois seios pendendo livres, a bunda empinada, Glenda era definitivamente sensual, além de musicalmente bastante esquisita.

Em circunstâncias normais, eu deveria estar pronto para novo embate físico em menos de cinco minutos, mas não foi o que aconteceu. A maldita música martelava meus ouvidos (não uso aqui figura de linguagem: vão ouvir a porra!) e afastava qualquer possível excitação. Ela logo percebeu e parou de me beijar. Vi que estava triste. Glenda então contou que seu grande sonho era trepar ouvindo aquela música. Que sonho bem besta! Mas o que fazer?

Tive então a sensacional idéia: abri minha mochila e tirei meu CD portátil. Em menos de dois minutos, Glenda estava feliz, com Orff martelando seus ouvidos, enquanto eu curtia o erótico barulho do engarrafamento que chegava através da janela. Fiquei por algum tempo ali parado, vendo Glenda nua, deitada, com o fone sobre a cabeça, e pensei que a vida apresenta desafios de todos os tipos para nós, simples mortais à procura de sexo, drogas e música que combine com os dois itens anteriores.

Depois me deitei ao lado de Glenda e deixei que ela concretizasse plenamente seu sonho. É claro que nossos movimentos estavam limitados pelo comprimento do fio que saía dos fones de ouvido até o aparelho de CD, o que gerou manobras pouco usuais e aumentou a distância entre as intenções e os gestos. Mas, no dia seguinte, comprei um fone sem fio, coisa que sempre considerei uma bobagem, e dei de presente para Glenda. Ela sorriu e começou a tirar a roupa. E então pensei: eis aí a tecnologia de ponta contribuindo verdadeiramente para o bem da humanidade.