Fadas, gnomos, duendes, e outros seres inocentes
por Marcelo Carneiro da Cunha
 
A faixa estava colocada na avenida Cristóvão Colombo. Dizia isto aí acima, esclarecendo que a professora (esqueci o nome, onde eu andava com a cabeça na hora?) estaria falando sobre o tema em uma galeria do centro da cidade.

Fadas, gnomos, duentes e outros seres inocentes.

A idéia de um adulto falando seriamente sobre um tema desses parece a coisa menos séria do mundo, e é. Não menos sério do que um velho morando em um palácio no centro de Roma, com um exército pessoal de cem guardas suíços vestidos como se fossem funcionários de um parque temático (o que aquilo é, pensando melhor no assunto), falando sobre anjos e arcanjos como fez João Paulo II, dia desses, quando ele ainda conseguia falar.

A gente sempre foi meio besta, claro. Astrologia é tudo, menos invenção recente, e alquimia, quiromancia e outras exatas nos perseguem ao longo dos séculos. Homeopatia já era assunto no Dom Casmurro, florais de Bach são mais recentes, todos estes fenômenos sendo consequência desta mania de parte de humanidade de não usar o cérebro a não ser como escudo de proteção contra a realidade.

Mas pelo menos havia o atenuante da ignorância, no bom sentido. A gente não sabia, não tinha como saber. Cristianismo, budismo, muçulmanismo, todos esses monumentos ao pensamento do hipotálamo, foram construídos por povos que não entendiam como acontecia a chuva, o congelamento da água, a força da gravidade ou o misterioso processo de reprodução humana.

Mas alguns Newtons depois, fica difícil explicar essa disposição da humanidade pra engambelar a si mesma.

A gente foi até a Lua, pessoal. Nós erradicamos a paralisia infantil, a varíola, e a gripe anda por um fio. E não foi graças aos duendes ou à homeopatia, por deus! Foi pelo emprego ativo do velho penso, minha gente. Trabalho duro, em laboratório e sei lá mais aonde. Não em uma sala da galeria do Rosário.

Foi o nosso célebro, este incompreendido, e a nossa busca história por verdades, minha gente. Foi o pensamento cartesiano e a força elétrica (motivo pelo qual não se descobre nada em Manaus, onde falta luz desde a inauguração do Teatro Amazonas). Foi o bico de Bunsen e o tubo de ensaio, foi um jeitão de olhar pro mundo, não uma luz vinda não sei de onde.

É estranho ver que tanta coisa acontecida com a gente ao longo do século causou pouca impressão pra um vasto setor da humanidade mais interessado em duendes, tarô e cirurgia astral. Eles não devem ter se informado de que inventaram a física quântica, o trem de linha, o mais leve do que o ar e a medicina compreensível.

Afinal, pra quem usa o cérebro como proteção ao que vê lá fora, o mundo deve ser mesmo assustador, fora do abraço protetor das fadas, duentes e outros seres inocentes.

A frase é de Schiller, acho, enquanto cito. Contra a estupidez até os deuses lutam em vão. Até eles. Contra as fadas e os duendes lutamos todos em vão. Porque se Paulo Coelho, o alquimista, é por eles, cara pálida, então quem, mas quem mesmo vai ser contra eles?