ENTREVISTA-QUASE
 
com José Paulo Bisol
 
 
Senhores leitores:

Desculpem, mas editar o NÃO demorou mais do que pensava e ainda não terminei de degravar a entrevista.

Vai um pequenho aperitivo, com trechos separados por 5 asteriscos (*****).

As fotos eram do Jorge Furtado e os outros presentes foram: Ana, Nora, Lulit, Giba e Gerbase.

Álvaro M.


Álvaro - Estava há pouco em casa assistindo pela TV Senado a um depoimento seu gravado em 1994. O senhor se via como um símbolo da luta pela ética na política, que, na sua opinião, até não transbordar o âmbito político foi apoiada pela mídia nacional. De lá para cá, essa bandeira perdeu a importância que tinha no debate sobre o país e na luta
política. O que aconteceu com a bandeira da Ética na Política?

Bisol - Na verdade fizemos uma frente no Congresso com esta bandeira. Nós produzimos uma transformação revolucionária na metodologia das CPIs. As CPIs eram um teatro de inquirições mal feitas, onde os parlamentares compareciam pela repercussão televisiva, radiofônica e jornalística. Nós, este grupo, deixamos praticamente de lado as inquirições, as audiências e armamos um esquema baseado na minha experiência de juíz. Eu dei a idéia e os parâmetros para as duas CPIs (do P.C. Farias e do Orçamento) para que secretamente investigássemos, enquanto se faziam inquirições que faziam vibrar a mídia.

A primeira idéia é que uma investigação investiga o secreto e, logo, ela tem de ser secreta. Investigávamos e surpreendíamos os bancos, os ministérios, etc, e recolhíamos documentos, inclusive ameaçando com voz de prisão. Discutiu-se se as Comissões teriam o poder para atos judiciais e o Supremo Tribunal, que é o pior da História do Brasil, acabou decidindo que não tem, apesar de ter. Nós fizemos inquéritos documentários, com auditorias, análises objetivas e dados concretos. O resultado foi fantástico até hoje mal avaliado.

Seria melhor se o prazo das comissões não fosse peremptório. Até hoje saem decisões judiciais ou outros fatos baseados na nossa investigação. O que aconteceu foi que tudo isso desapareceu com a eleição do Fernando Henrique,  que se comprometeu com as forças que nós conseguimos tocar pela primeira vez na História do Brasil relacionando diretamente o poder econômico com o poder político.

Gerbase - Que o Collor não tinha ou tinha menos?

Bisol - O Collor não tinha nada. O Fernando Henrique no décimo-quinto dia desmanchou a Comissão que nós forçamos o  Itamar a criar e que estava funcionando bem, por um ato que não teve nenhuma repercussão nacional, arquivando os dados já descobertos.

(nota do editor: a comissão era a chamada CPI dos Corruptores)

Ana - Quem era o grupo que o senhor se refere como nós?

Bisol - Nisso sou ruim de memória, inclusive um dos deputados já morreu. O Mercadante e o Sigmaringa(?) e eu éramos os principais.

Jorge - O Mick Jagger disse certa vez que não importa o que digam de mim na notinha no meio do jornal desde que a minha foto esteja na capa. Com a atual ditadura dos meios de comunicação, que fizeram um linchamento público do senhor (que falaremos depois), o senhor ainda acredita na democracia representativa no Brasil? As eleições no Brasil
poder provocar mudanças?

Bisol - A democracia representativa está morta no mundo, não só no Brasil. É um caso de possível ressurreição, mas hoje ela está morta. Agora, o que faz a esquerda senão fazer um cadáver caminhar? A eleições são importantes para  fazer o cadáver caminhar, falar, fingir que está vivo.....

Jorge - El Cid...

Bisol - É. Até que a gente possa fazer a ressurreição ou inventar a participativa, como indica a experiência de Porto Alegre com o Orçamento Participativo, mas que é muito pouco. Ou termos ambas. O processo legislativo deve ser participativo. Este século, que o Hobsbawm chamou de o século mais assassino da História, termina com dois cadáveres nos braços. Um é o Estado hipertrofiado (como no caso soviético, em que a ditadura do proletariado foi a ditadura da nomenklatura ), que começou a morrer em 68 em Praga, com os tanques esmagando o clamor pelo pluralismo, etc e em outros momentos que revelavam que o socialismo forçava uma unidade. O outro cadáver é o racionalismo econômico capitalista-liberal...
 

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......Nós fomos à São Paulo, no caso do P.C. Farias, com um helicóptero emprestado e pegamos todos os bancos de surpresa e o Collor ficou liquidado ali. Depois foi distribuir as perguntas nas audiências.

.......... Aí vem a mídia. Uma vez um senador me botou uma pistola na cara. Eu passei oito meses no Congresso com discursos me ameaçando e eu com quatro guarda-costas 24 horas por dia, um período terrível. Mas aí nasceu a convicção que assim como o Lula não poderia ser presidente, eu não poderia ficar no Congresso. Eu disse ao Lula, como disse agora pro Olívio, que eu estava muito marcado e eles iriam me desmanchar. O Lula não concordou, já que nós quase tínhamos ganho em 89.
 

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Bisol - Curioso o processo comigo. Apareceu um caso de violação de umas moças na frente da família, que o Lula pediu para responder.  Eu respondi juridicamente, ou seja, se o Estado não está presente, é legítimo se defender e até matar em legítima defesa. E a imprensa passou a me caracterizar como pregador da violência. Aí, a Comissão dos
direitos humanos do Vaticano imprimiu um livreto defendendo o direito dos humildes, inclusive de matar em legítima defesa em casos como esse. O Estadão publicou sem se referir ao meu nome e não se tocou mais nesse assunto.

Depois, "descobriram"  um empréstimo que eu retirei assim como todos menos um deputados tiraram, baseados em convênio, completamente legais e “denunciaram”. Por fim, pegaram uma emenda ao Orçamento. Eu, depois que sai da Comissão de Orçamento, nunca mais entrei e nem apresentava as emendas regimentais. O que aconteceu foi que eu vendi minha casa em Porto Alegre para melhorar as condições do meu filho Ricardo no interior de Minas e fizemos uns melhoramentos. Estava passando uns dias lá e fomos visitados pelo prefeito, do PFL, um gaúcho, que me apresentou uma demanda pelos produtores de leite e que não tinha quem apresentasse a emenda. Com a insistência dele,
(apresentei a emenda) baseado em que os leiteiros precisavam de uma ponte e que não benefiava o meu filho, pois ele não comerciava por aquela via. O prefeito era muito católico e confirmou que a emenda não beneficiava o meu filho. E, ainda por cima, a emenda foi adulterada em seu valor, no Senado. Não passava de um pontilhão. Aí, veio o “escândalo” e a imprensa conseguiu pressionar inclusive meus correligionários. Eles nem percebiam meu estado de hiperestesia e desencanto. E eu senti a solidão.

Gerbase - Todos os veículos trataram igual ou houve jornais que trataram eticamente o caso?

Bisol - Houve um jornal na Bahia e um em Minas que não se posicionavam por não tinham provas. Se eu tivesse dinheiro, teria processado quase todos os veículos. Depois, o meu filho Jairo tomou a iniciativa de processar somente alguns jornais representativos, e as sentenças têm saído no sentido de considerar o comportamento da imprensa como doloso. Estamos obtendo ganho de causa no mérito.

Ana - A Zero Hora tentou entrar em acordo, cedendo espaço...

Bisol - Não. Minha posição era pelo restabelecimento da verdade. A Justiça considerou as notícias da Zero Hora como falsas e intencionais. O que está variando é o valor pecuniário das indenizações, mas a condenação não tem mais recursos.

Álvaro - Mas isto não é um fato jornalístico?

(risos)

Bisol - Pois é. Além disso, eu lutei contra esta lei de imprensa em vigor. Só para lembrar, o relator do capítulo das comunicações na Constituição era o Antônio Britto. Eles fizeram esta lei. O Fernando Ernesto (Correa), que era meu amigo, desde o tempo do futebol.

Jorge - Qual era a posição dele ?

Bisol - Era ponta-esquerda. E fazia questão de jogar comigo. O futebol é fantástico....

Gerbase - Tu és gremista ou colorado?

Bisol - Sou gremista. Já fui da direção.

Gerbase - Meu pai foi presidente em 46.

Lulit - Entrevistar colorado aqui, nem pensar....

(algumas vaias)

Bisol - Quando o Luis Carvalho foi presidente, eu fui vice. Em uma época ruim do Grêmio, organizamos um grupo revolucionário lá dentro. E o Fábio Koff foi presidente porque nós quisemos. O Odone, o Madeira eram do grupo.

(Reações desencontradas).
 

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Depois de todo esse processo terrível, eu comecei a ler sobre a mídia. Notei que era frequente a citação de que Deus tinha medo da Torre de Babel. Na comunidade de Sanaá quando um dizia uma palavra o outro entendia, a comunicação  era perfeita. Isto levou a que se construísse uma cidade como jamais havia sido construída e uma torre que ameaçava Deus, pois se aproximava (dele). Quando Deus associou o poder da construção à comunicação perfeita ordenou ao arcanjo que cada um da torre tivesse uma língua diferente e se desfizesse a comunicação perfeita e o poder daqueles homens. O poder da mídia repousa na capacidade de dar um só sentido às palavras, de fazer desaparecer a ambiguidade.

Outra história interessantíssima é a do Humpty-Dumpty, que é considerado personagem símbolo da expressão verbal.  Aliás, Lewis Carrol é um cara fantástico, moderníssimo, até pelas taras dele, que apesar de puritano fotografava meninas....

Álvaro - O Gerbase tá chegando lá com As Garotas que dizem Não....

Gerbase - Opa, eu não, para com isso...

Bisol - Ele até pediu uma das meninas em casamento. A carta para uma menina chamada Gertrudes é ótima. É mais ou menos assim. Querida Gestrudes, infelizmente fiquei doente e o doutor achou que era dos olhos de tanto espiar. R. Não. O doutor disse que seria das orelhas, de tanto tocar piano de ouvido, ao que foi novamente contestado. Ah, já sei, disse o doutor. É da boca. De tando você beijar. Aí eu reconheci, dizia Carroll na carta, que havia dado onze beijos  na Gertrudes, uma menina de doze anos, o que não era tão espantoso para a época. (Agora, as guriazinhas de 14 desfilam e a imprensa se espanta: “ela desfila como uma mulher”. Por que espantar-se com Carroll?) Então o doutor disse: é da boca, tem de parar de beijar. Mas Carroll disse que ficou devendo 199 beijos. O médico receitou uma...
 

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Gerbase - Qual é o valor da palavra (do jornal, do livro) em relação à imagem?

Bisol - Eu acho que a imagem é mais forte.

Jorge - É curioso, mas nesse campeonato da loira do Tchan, aparecem as imagens, mas a palavra bunda não. A palavra é bum-bum. Parece que a palavra é mais perigosa...

Bisol - Esse negócio de linguagem é fundamental nesse fim de século. A filosofia contemporânea é quase toda ela hermenêutica. Por exemplo, o Witgenstein é fantástico e um paradoxo interessante, mais ou menos assim: por que vocês querem que interprete enquanto estou agindo, se depois um tribunal leva um ano para interpretar. É no tribunal acontece isto: interpreta-se demoradamente, com provas e princípios, o que se fez muitas vezes sem nenhum lance interpretativo.

Jorge - Esta força que governa o Brasil parece o PRI mexicano. E apesar de tudo o que está acontecendo nada parece escandalizar. Será possível que a palavra serve para revoltar ou despertar as pessoas. E o Senado, o parlamento - o lugar do debate - é ainda uma idéia que vale à pena. Não seria melhor fechar o Senado?

Bisol - Voltamos à questão do drama da democracia neste final de século. O Hobsbawn se refere que a tática usada pelos executivos das multinacionais, do fait accompli ....