BEIJO VIRTUAL

Nádia Steinmetz

 

É noite, passa das 22h, ela acaba de sair da escola onde trabalha, dirige-se para casa, onde, invariavelmente fica só. Os filhos com a mãe, não tem tempo para sair, os amigos estão com suas famílias. Cinema...já é tarde, só resta a TV como companhia. O computador nem liga, já está saturada, afinal lida com isto da manhã à noite, em casa não dá, não tem mais ânimo.

Sentada no sofá, moída, percebe que durante todo o trajeto para casa esteve a pensar nele. Porquê? Afinal nem o conhece pessoalmente.

Novamente a tecnologia entra em sua vida para deixar marcas profundas. Conhecera-o pela rede, a Internet. No princípio não notou que estava se envolvendo, mas com o passar dos dias, o contato diário, a troca de fotos, já era tarde...não tinha mais volta. Não consegue mudar os pensamentos. Imagina como ele é, seus traços, seu jeito. Sabe que ele é casado, que tem filhos (uma família bonita). Que gosta da África e de seu povo, escreve bem, é sensível.

Mas porquê não consegue desviar o pensamento? Claro! Hoje algo especial aconteceu, trocaram beijos virtuais, não aqueles familiares, comuns. Foi um beijo mais comprometedor, profundo e envolvente. Daqueles beijos que sempre continuando pelo pescoço, pelo colo, enquanto as mãos procuram, afoitas, perpetuar as emoções. Seus lábios se encontraram, suas línguas iniciaram seu bailado, seu coração disparara, sentiu o calor de seu rosto. A ternura de seu olhar. Foi um longo beijo...virtual.

Ainda sentada, promete dar um basta, acabar com isto tudo antes que se torne um problema, afinal ele mora na Austrália e ela está no Brasil, ele é casado e traição é traição, mesmo que seja por pensamento. Não! Não dá para continuar!

Levanta-se de repente e promete que amanhã dará um basta. Apaga a luz, a TV e tenta dormir.

É manhã, um novo dia, passa na casa da mãe para dar uma olhada nos filhos - eles dormem. Toma café e segue para a Prefeitura. No caminho, a mente fixa na promessa da noite anterior. Chega, liga a máquina e olha aquela flor vermelha do ICQ, será que ele está lá? Como dizer sem machucar, sem ofender? Ficar "on-line" ou não? Não resiste, liga, e ele está lá. Ela manda uma mensagem de bom dia e boa tarde (ela ainda não está afeita ao fuso horário), ele responde e em seguida manda um arquivo texto com coisas que ela não queria ler, pelo menos não naquele momento em que ela tinha que mudar o rumo do contato deles.

Iniciam o "chat" do dia e ele pede para ela escrever algo e enviar o arquivo, assim como ele o fizera. Indecisa, confusa ela avisa que tem que sair do "chat", e que não sabe se voltará. Desliga o ICQ, olha aquela flor de verde passar para vermelha, tem medo do contato virtual, tem medo dos amigos se tornarem descartáveis - já existem coisas descartáveis demais neste mundo. É tudo muito rápido. A cabeça gira. Ela olha mais uma vez para a flor, abre o editor de texto e começa a escrever estas linhas. Ainda não sabe se mandará para ele este arquivo.