Pela volta do tu-tu-tu nos telefones ocupados.

 

Jorge Furtado

 

O programa Vitrine (agora sob a administração Marcelo Tass, quarta à noite, TV Cultura), entrevistou o presidente de uma das maiores agências de publicidade do mundo (acho que a McCann, não tenho certeza. E não lembro o nome do cara também.) Passeando com o repórter pelas ruas de São Paulo, ele informou alegremente que o veículo de comunicação publicitária que mais cresceu nos últimos três anos, triplicando o volume de dinheiro investido, não foi a Internet. Foi a rua, os espaços públicos. O sujeito, com brilho nos olhos, diz que tudo pode ser coberto de publicidade: as paredes, os postes, o chão. O assustador não é que ele pense assim. Assustador é que ele tenha coragem de dizer isso em público, na televisão. E que mesmo pessoas inteligentes e sensatas como o Marcelo Tass deixem o comentário passar batido.

A primeira pergunta que se devia fazer ao cara é se na frente da casa dele ou no bairro que ele mora a rua está coberta de placas luminosas e out-doors. Aposto que não. Aposto que ele mora num bairro elegante e arborizado, cercado de vizinhos elegantes e arborizados que se ergueriam em fúria se um reles comerciante ousasse ocupar o espaço visual de suas belas janelas com placas de qualquer tipo.

A segunda pergunta é: o que a cidade ganha com isso? A publicidade só tem sentido quando barateia alguma coisa. Os anúncios tornam o jornal e a revista mais baratos e pagam a produção do programa na televisão. E mais: você pode passar rapidamente sobre as páginas de anúncio na revista, ou zapear pelos canais de tv enquanto aquelas moças de olhos grandes informam que vocês têm alguma coisa em comum (provavelmente câncer no pulmão). Mas o espaço público é inevitável, você vive nele. Qual a vantagem que a publicidade nas ruas traz para a cidade?

A administração do PT em Porto Alegre está perdendo a luta contra a invasão das ruas pela publicidade. A prefeitura até que se esforçou, entrou com uma ação pública contra a Prolix, Ativa, LZ, Heliolux e outras menores, mas a causa não tinha sido julgada até o final do ano passado. Já foi? A prática das empresas é, em mais de noventa por cento dos casos, criminosa: primeiro colocam o luminoso e depois pedem a autorização. (Os donos dos salões de dança da cidade costumam fazer o mesmo, inaugurando casas luxuosas sem qualquer licença pública.) A prefeitura deveria ser mais ágil para impedir que os picaretas lucrem com a lentidão da justiça. Out-door ou placa sem autorização deveria ser imediatamente derrubado, coberto, pichado, incinerado.

As reclamações contra a publicidade nas ruas de Porto Alegre podem ser feitas diretamente para a Smam pelo telefone 334.8288. E contra a publicidade no estado? A gente reclama para quem? Não sei se alguém mais leu ou se importou com uma notinha escondida na página 19 do Correio do Povo, dia 25 de março. O título: Painel Já Ilumina a Rota Romântica.

"O prefeito Ronaldo Ribas e o especialista de Marketing da Claro Digital, Ronaldo Bier, inauguraram um painel luminoso de 14 metros para indicar o início da Rota Romântica, em São Leopoldo. O roteiro turístico é formado por 13 municípios, começando no Vale do Sinos e subindo a Serra até terminar em São Francisco de Paula. A Claro Digital deverá apoiar a instalação de 20 torres em diversos pontos turísticos do estado para assinalar locais históricos para turistas e moradores. De acordo com a empresa responsável pela execução do projeto, a Equipe Três, as cidades escolhidas serão anunciadas na sexta feira".

Deixa ver se eu entendi: a Claro Digital vai escolher 20 locais históricos do Rio Grande do Sul e colocar, em cada um deles, um painel publicitário luminoso, com o nome deles, de 14 metros? É isso mesmo? O texto jornalístico/publicitário da nota informa que "a Claro Digital deverá apoiar a instalação de 20 torres..." Apoiar a instalação de publicidade? Que tal eles pedirem uma verba da secretaria da cultura para emporcalhar o estado inteiro? Perdi o anúncio dos felizes municípios que vão ter a honra de receber os painéis luminosos gigantes mas, pelo critério visibilidade e romantismo, sugiro a Cascata do Caracol, o alto da Guarita, e as Missões.

Não acredito que o governo Olívio vá ser cúmplice deste crime contra o patrimônio gaúcho. Qualquer país civilizado regula a publicidade em locais públicos com extrema rigidez, com multas pesadas e apreensão imediata de anúncios ilegais. A publicidade em locais públicos só tem sentido se beneficia a comunidade, patrocinando, por exemplo, cabines telefônicas, estações de transporte coletivo, lixeiras. Mesmo assim, com limites. A instalação de um painel luminoso de 14 metros nas ruas de uma grande cidade deveria obrigar a empresa a pagar a construção de pelo menos um viaduto. E não há preço que pague a instalação painéis luminosos em locais históricos ou reservas naturais. É crime contra a humanidade.

Infelizmente o PT, neste início de governo, não parece muito preocupado em desocupar de publicidade o espaço e o tempo do contribuinte. Ao contrário. Basta ver a perda de tempo no anúncio telefônico a que é submetido quem liga para um órgão público: "governo democrático e popular, secretaria de turismo, bom dia". A telefonista leva 2 segundo para dizer "governo democrático e popular". Quem quiser descobrir o custo da cabotinice que multiplique os dois segundos pelo número de ligações que os muitos órgão públicos recebem em um mês. Um governo popular e democrático não deveria ser perdulário. Qualquer coisa que a telefonista da secretaria de turismo diga antes de "secretaria de turismo, bom dia", é desperdício de tempo e dinheiro.

Bem pior é o anúncio da CRT que substituiu o velho e bom sinal de ocupado ("tu-tu-tu"). "CRT informa: o telefone chamado está ocupado". Você leva 5 segundos para descobrir que o telefone chamado está ocupado. Isso se você falar português, um turista não entende nada. O contrato de privatização prevê isso? A CRT pode usar a linha (que eu pago) para fazer publicidade? Se pode, que tal ampliar as possibilidades de receita? "CRT e Skol, a cerveja que desce redondo, informam: o telefone chamado está ocupado". Claro que, com a prática, você acaba desligando antes da gravação dizer o tê. (Em meus melhores momentos consigo desligar antes de ouvir o erre). Assim como é óbvio que as pobres telefonistas, obrigadas a repetir aquele "governo popular e democrático" mil vezes por dia, já suprimiram a palavra "governo" do slogan petista: "Popular e democrático, bom dia". Vão acabar dizendo "arecrático, bom dia", como manda o bom senso e a síntese.