Da guerra não-declarada em Kosovo
por Tatiana Mora Kuplich,
de Londres
 
 
Cheguei na Inglaterra em 1995 e o ano justificava o grande numero de feiras, exposições e comemorações dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial. Grupos de veteranos ou parentes de soldados reuniam-se para mostrar qualquer coisa, desde uniformes, cartas e fotos até recolher fundos para associações com nomes inimagináveis. A BBC também não falhava em mostrar documentários com diferentes aspectos da guerra, desde as tradicionais biografias de Hitler até detalhes técnicos de aviões e manobras. Pensava nisto como o epítome da cidadania, como uma forma de evitar a repetição de tudo, como a reafirmação da memória enquanto remédio preventivo.
 
Depois de quase quatro anos aqui, ainda vejo flores nos memoriais pros mortos nas grandes guerras, ainda se passa por feiras e exposições sobre o assunto, ainda é facil achar um documentário sobre guerra na TV. E por que tudo isso? Dois meses de mortes equivocadas por bombas equivocadas na Iugoslavia e Tony Blair (o fim da esquerda que pensa?) ainda lutando pra colocar tropas em terra. Lições mal ensinadas estas duas grandes guerras, não?

Há tantas coisas envolvidas neste conflito que seria ingênuo tentar explicar e entender o que está acontecendo. O mais chocante parece ser a utilização de um organismo criado pra conter o comunismo (e portanto de inútil existência hoje em dia) na promoção desta guerra não-declarada. A OTAN só esta servindo pra mostrar o quanto a democracia está mal das pernas. Provavelmente nenhum Parlamento das dezenove democracias representadas na OTAN foi consultado antes das primeiras bombas e mísseis. O que a OTAN representa então? Parece ser unicamente o braço armado dos norte-americanos e ingleses, que devem estar em crise de saudades da Guerra Fria…

Mas nem tudo parece perdido, pelo menos ideologicamente falando, já que o lado prático deve estar sendo rapidamente decidido por um grupo de três ou quatro, com estranhos planos de dominar o universo. Um debate promovido pelo Channel Four (cuja cobertura da crise é a mais isenta) no domingo 23 de maio mostrou que 61% dos presentes era contra a OTAN e suas ações nos Bálcãs. As grandes agências de notícias já deixaram escapar informações e imagens de pessoas descontentes na França, Alemanha, Grécia e Itália. Le Monde Diplomatique publicou uma linda carta pedindo a paz em Kosovo, assinada por grandes nomes. Quem sabe o fim deste conflito nao seja determinado, enfim, por pressões verdadeiramente de fundo humanitário?

PS: Isabela, Ronald e eu participamos de uma passeata contra as bombas aqui em Southampton… perdeu de longe, em número de pessoas, para a super manifestação pelo fim de maus tratos a animais de estimação em Brighton, no mesmo dia… Duvido que, quando o Brasil for promovido da condição de "potência emergente", tenhamos tanta habilidade em inverter valores e prioridades!
 
 
Tatiana Mora Kuplich
Department of Geography
University of Southampton
tmk@soton.ac.uk
 


Leia a carta publicada por Le Monde Diplomatique pedindo a paz no Kosovo em  http://www.monde-diplomatique.fr/dossiers/kosovo/appel.html. Depois volte para o...