Letrinhas para o menino Sol

Por Clarah Averbuck

          Te vi reluzindo ao sol, na mesma hora que você me viu, e -crash!- nossos olhos se encontraram como numa batida de carros. Soubemos, sem saber, que algo aconteceria.

          Então você sorriu. Nem foi pra mim, mas você sorriu e eu fiquei muda. Grave, grave. Você sabe que é grave quando um sorriso emudece. E eu emudeci.

          Tudo muito rápido. Olhares, beijos, mãos. Gosto de champagne, calor no peito, frio na barriga. Bocas. Mãos nos seios, pele macia. Vinte anos. Vamos? E fomos. Fazia tempo que eu não caminhava nas nuvens, menino. Sorrisos. Sorrisos são sempre o que fode. Eu sei, não é sonoro, mas é que sorrisos... Sorrisos são sempre o que fode.

          Tudo muito rápido. Abraços, beijos, tua cabeça no meu colo. O tempo nos atropelando, tic-tac-tic-tac, um minuto, um segundo, dez anos. Cinco horas. Saí sem olhar pra trás, porque sabia que se o fizesse, não conseguiria te deixar. E eu precisava ir.

          Tudo muito rápido, a água jorrando no meu rosto, e eu, sem dormir, pensando quando? nunca mais! sem querer acreditar. Olheiras. Boca seca. Janela ou corredor? Janela. Turbinas me ensurdecendo. Lagriminhas, sono. Vazio enorme.

          Frio. Eu, molhada de chuva. Em casa. Atônita.

          Vento que gela os ossos, adormece o corpo, faz voar meu cabelo molhado. Vento que faz todo o calor escapar por entre os fios de lã. Vento que me leva para o lado oposto ao que eu gostaria de ir. Não há de ser nada: o mundo é redondo, e se tiver que ser, será. Nem que eu faça a volta e chegue pelo outro lado. Se tiver que ser, vou voltar para o menino magrinho, lindo, de dentes brancos e olhos que viram vírgulas quando ele sorri. Ele? Você.

          Só tenho uma foto. Uma fotinho escura e desfocada, sem gosto e sem cheiro. Mas ainda assim, uma foto sua. Uma foto sua, mas ainda assim, só uma foto. Quase nada.

          Vento que gela os ossos. Domingo, nove da noite, caminho pelo centro de Porto Alegre. Frio. Chão sujo, cheiro de lixo, uma criança chorando. Escuro. Decadência. Porto Alegre nem sequer reflete a luz do sol, apenas a absorve. É uma cidade-noite. Fria, grande, de ar espesso. Cheia de ruelas tortuosas e desconhecidas, cheia de putas e traficantes e junkies.

          E você aí, na cidade-faísca, no coração do país. Na cidade que me ofusca, luminosa, no meio do nada.

          Te procuro em outros meninos, sabendo que não vou achar, que é em vão. Você é você, e você está fuckin' longe. Nada a fazer. Absolutamente nada. É inquietante não saber onde você está. Ondinhas dentro de mim, suspiro. Domada!

          Mas não tenho vontade de chorar quando penso em você. Sorrio. Agora sou gente grande.

          Sobra a bagunça. Continuo flutuando, atordoada, confusa, afogando em dúvidas, flertando com o nada. Tudo muito rápido. Sorrisos. Quanto mais me debato, mais me enrosco na rede de feelings.

          Dizem que passa, e é isso que me preocupa. Passam-se os dias, as noites, uma, duas, três. Tudo vai desbotando, e mais cedo ou mais tarde teremos sido apagados um do outro. Não quero! Não sou uma estampa barata em uma camiseta vagabunda! Tampouco quero te esquecer, tua voz, teu sorriso - sorrisos são sempre o que fode -, das horas-anos, de você fulminando-me ao sol, à sombra, à noite. Não vou te deixar sumir assim. Mesmo que às vezes não consiga lembrar do teu rosto, como se um véu cobrisse minha memória, como se te olhasse através de um nevoeiro, sem poder definir formas, apenas vultos, traços difusos. Subitamente, lembro de tudo, em flashes, como fotos, e posso te sentir, mãos, boca, pele. Sinto, vejo, quase posso te tocar. Mas aí, tudo evapora, e você foge de novo. Assim tem sido até agora. Assim tem sido, e se tiver que ser, será.

          É, estou completamente fodida por você.