Mais almoço grátis
por Cícero Justo
 
 
Sobre a polêmica do 'Almoço grátis', proposta pelo J. Furtado, no Não, gostaria de meter a minha colher (ops! - não vou tirar comida de ninguém). Aliás, acho que o Jorge tem grandes qualidades nesses debates do não, pena ter a quase imperdoável falha de torcer pros bananas de pijama...

Bom, mas vamos ao assunto. Acho que se deve ter muito respeito pelas pessoas que vão ao tal site e clicam para salvar as crianças da fome. Afinal, como já escreveu alguém,  entre o discurso e o prato de comida, certamente o faminto prefere o segundo. Além do mais, existe aí um gesto solidário e bem intencionado que náo é o padrão desse mundo competitivo e globalizado. Mas, ainda que respeitando o gesto, não custa nada refletir sobre ele.

Antes de mais nada, seria interessante saber se a tal doação chega mesmo aos famintos. Quem tem certeza disso? Não seria a primeira nem a ultima vez que a ajuda humanitária não chega. Só pra lembrar alguns, quando houve um terremoto na Nicarágua, antes da revolução sandinista, chegaram muitas doações ao país, e depois se descobriu que não chegaram às vítimas. O mesmo vale para aqueles shows promovidos pelo Bob Geldorf, ou o de Bangladesh (George Harrison e outros) que também tiveram seus problemas. Nesse caso, como não se conhece a empresa e não ouvi falar de prestação de contas, o tal clique bem intencionado pode não estar dando nada. Pode ser só um trote.

Outra coisa: havendo tamanha disposição para a caridade, não seria melhor prestá-la ao vivo e a cores, para os cidadãos reais que estão por aí morrendo de fome? Não precisa procurar muito, nem decorar endereços complicados da web. É só caminhar por qualquer grande cidade brasileira (ou mundial, mesmo no tal primeiro mundo), que eles estão ali. Isso evitaria, inclusive, o risco de que a ajuda não chegasse.

Mas o mais importante, penso modestamente, é pensar no sentido da caridade. A tal doação internética é a mesma coisa, em escala maior, que a esmola (pressupondo que chegue a comida às criancas). Não seria bom que, além da esmola, as pessoas pudessem refletir que lugar é esse onde morre uma pessoa de fome a cada 3,6 segundos? Só o tempo de conexão à net, usando os softwares que tornam o Bill Gattes milionário, já significa a morte de umas 10 pessoas (e isso quando a conexão presta!).

Não seria bem melhor se, em vez de esmolas internéticas, vivêssemos num lugar um pouquinho (só um pouquinho) menos injusto, iníquo e outros termos desse tipo? Não seria interessante pensar nas causas de tamanha violência? Quem sabe não caberia modificar essa situação? É que isso dá muito mais trabalho, demora mais tempo, não alivia a consciência e ainda nos leva a ouvir um monte de ofensas do tipo radical, xiita e outros quetais.

Certo, entre o discurso e a comida, o faminto prefere a segunda. Mas será que ele não prefere deixar de ser faminto e merecedor da caridade alheia? Será que não prefere viver com dignidade?

Um antigo professor do 2o. grau sempre usava uma analogia: “Existe uma máquina que fabrica lápis com defeito. Aí, juntamos as pessoas de boa vontade e vamos tentando arrumar, um a um, os lápis defeituosos. Só que a máquina produz muito mais lápis defeituosos do que aqueles que podemos consertar. Não seria o caso de arrumar a máquina?” Aliás, essa máquina de que falamos parece bastante defeituosa, nao é mesmo? Ou talvez a máquina não seja defeituosa, apenas seu produto é diferente. Os lápis defeituosos que ela produz não são erros, mas um 'pequeno' subproduto que atrapalha um pouco, mas não prejudica a função principal, que é produzir dinheiro para muito poucos.

Bom, era mais ou menos isso. E sem deixar de lembrar que até a insuspeita de radicalismos esquerdistas RBS lançou uma campanha de 'sinal vermelho para a esmola'.

 
Cicero Justo
cicjusto@portoweb.com.br
 
 
 

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