SIM ao Bourdieu e ao Tom Zé

por Álvaro Magalhães 27/10/99 - 20:47



Volto a velhos temas, porém bem acompanhado. Através da Folha de São Paulo, tomei conhecimento de dois manifestos: um, do papa dos sociólogos, dirigido a uma seleta platéia em que estavam alguns dos maiores distribuidores/produtores de comunicação (incluindo internet e cinema), e outro, do Tom Zé, de 62 anos, dirigido aos brasileiros que se importam com arte (especialmente a música artística) e com o Brasil (e  com um viva merecido ao João Gilberto, de 68 anos.)

O manifesto do Pierre Bourdieu, de 69 anos - a convite do governo dos socialistas de L. Jospin - é de recortar e emoldurar. Assumindo mais uma vez um posição contundente, coloca o dedo na ferida: quem decide o que vemos, lemos e ouvimos não sabe o que está fazendo, não tem domínio sobre seu domínio (e como esses sujeitos têm poder). E, ao fazer o que fazem de forma avassaladora, homogeneizando os produtos e rebaixando qualidade do que é exposto, acabam ao mesmo tempo liquidando as próprias formas de expressão artística e destruindo as condições (sociais ou "ecológicas") para a produção realmente cultural e intelectual. Em nome da modernidade (ou da velha pós-modernidade) e da democracia liberal (baseado na economia de mercado), os que controlam o que a maioria vê, ouve e lê tentam colocar os que defendem controles a seus negócios (como os franceses que defendem a exceção cultural) como atrasados ou até mesmo velhos e saudosistas.

O que está em jogo não é uma ou outra cultura nacional ou regional, uma ou outra forma de expressão artística (como o cinema (de arte) ou a música), mas sim  patrimônios universais da humanidade que ainda reconhecemos como artísticos e mesmo científicos, e que constróem sensibilidades, idéias e obras não subordinadas: livres. (Lembro-me do lindo final do "Ilha das Flores".)

Será que a vaia no João Gilberto e o disco-manifesto do Tom Zé estão ocorrendo em outro mundo que não este a que os (alguns) franceses não querem se entregar? Ainda bem que nos resta o João Gilberto: o único brasileiro vivo que poderia botar a língua para esta elite falsamente moderna, pra estes CARAS (que o L. A. Fischer chama de "paulistas"). (Aliás, estes baianos já cantaram odes a São Paulo, que certamente não seria essa "Terra Nostra" cheia de "Amigos" sertanejos e das Anas Marias Bregas.) Como bem escreveu o Arthur de Faria na Zero Hora, se o show de inauguração do "Credicard Hall" fosse do Caetano com a Ivete Sangalo teria ficado tudo bem, tudo "odara". E não foi acidente que a mídia nacional tenha tentado ridicularizar mais uma vez o nosso maior artista, dizendo que ele é que é o chato, desagradável.

Tom Zé, em sua música "Vaia de bêbado não vale" e em seu manifesto, bota o dedo em uma ferida brasileira que é semelhante à dos franceses. E, ao colocar o Tropicalismo como um passo intermediário entre um movimento realmente artístico - a Bossa Nova - e o domínio das produções mercantis que tanto nos infernizam, o ex-topicalista faz uma auto-crítica que não poderia ser feita pelo Caetano Veloso ou pelo Gilberto Gil: a de que fazer arte ou cultura e jogar o jogo do mercado são atitudes excludentes. A tentativa de mediação só serve pra legitimar o poder dos donos do poder (pelo menos donos dos meios de comunicação).

É uma pena que, ao contrário dos franceses de Jospin, não estamos fortes e lúcidos o suficiente pra enfrentar os "paulistas" da indústria cultural. Será que temos artistas, intelectuais e/ou lideranças políticas capazes de enxergar e fazer enxergar que a produção realmente cultural e intelectual são, como "sempre" foram, decisivas??? (É óbvio que esta situação só pode ser enfrentada com criação, muita criação, e não com ações burocráticas e medíocres).

[Às vezes, fico muito pessimista. Por exemplo, quando vejo juntos o Lula e o ACM - aliado histórico do sr. Roberto Marinho: que pobreza. Ou então quando penso no ambiente musical da província, em que o pensamento quase único é que falta mídia (ou reconhecimento da mídia nacional) e mercado para o que é feito aqui, pensamento que vários grupos (de música popular brasileira ao regional ou ao rock/pop) defendem.]

Pelo menos alguns (coroas) estão dizendo o que tem de ser dito.
 

Alvaro Magalhães
marisaon@uol.com.br