Criaturas bizarras dos festivais

Por Tomás Creus

Tendo estado já em vários festivais de cinema, algumas vezes como realizador e outras como mero espectador, descobri uma fauna variada que, como qualquer observador mais sagaz poderá ter notado, está sempre presente nesse tipo de ocasião. Por sinal, tais seres não limitam seu habitat a festivais de cinema, mas, já que o tema deste "Não" é Festival de Gramado, acho que seria mais do que apropriada esta breve caracterização antropológica — ou devo dizer zoológica? — de certas criaturas muito estranhas, e por vezes perigosas, que se encontram neste e em outros Festivais.

O Cineasta Assassino:

Em Festivais de Cinema, você raramente escuta uma crítica demolidora (ou seja, uma apreciação sincera) dos filmes. Alguns acham que isso acontece por causa de um sentimento de identificação (você não quer que falem mal do seu filme e portanto não fala mal do dos outros), outros dizem que é devido à auto-proteção do clã (você não vai criticar alguém com quem pode vir a trabalhar depois). Mas o verdadeiro motivo é apenas o medo. Sim, medo do Cineasta Assassino — uma figura que, como Kaiser Soze, todos temem mas ninguém tem certeza se existe ou não. Tudo o que se sabe é que ele é um sujeito cuja capacidade agressiva é ainda maior do que o seu ego, e que costuma andar com um facão escondido debaixo da jaqueta importada. Não se sabe em que filmes ele trabalhou ou não, e nem se tem certeza do seu aspecto: só se sabe que, se você falar mal de alguma produção em que ele participou, será violentamente espancado e torturado com requintes de crueldade. É por isso, e não por outra razão, que só se escutam elogios no saguão do cinema.

O Fotógrafo Criativo:

Uma das criaturas mais perigosas, o Fotógrafo Criativo ataca cineastas e atores em busca de imagens para a capa do Segundo Caderno ou equivalente. Em sua fanática sede por "originalidade", não lhe basta uma convencional fotografia sorridente: ele precisa que você faça uma pose que o deixe extremamente embaraçado frente aos colegas que verão a sua foto no jornal no dia seguinte. "Vamos tentar uma coisa", ele diz. "Sobe naquela árvore e eu fotografo daqui, num ângulo contra-plongée". Quando você está quase lá em cima, ele muda de idéia: "Não, acho que esses galhos vão atrapalhar. Vamos fazer diferente: sobe na garupa do Kikito." Ou então: "E se a gente tirasse a foto dentro do Lago Negro, você nu saindo de dentro de um pedalinho, numa citação à Vênus de Botticelli?" No fim, desistindo, ele acaba tirando a clássica fotografia com você com os dedos em "L", formando uma mini-tela de cinema com as mãos. "Isso mesmo!" ele grita, excitado. "Vai ficar genial!"

O Jurado Ubíquo:

Ele está em todos os lugares — coquetéis, bocas-livres, festas — menos, estranhamente, no Palácio dos Festivais quando passam os filmes. Com o programa na mão, você olha para a lista de jurados, encontrando o nome dele, diretor de pavorosos equívocos. Você não acredita e, depois de olhar bem ao redor e constatar que nenhuma testemunha se encontre presente, comenta com seu amigo ao lado: "Não pode ser! Quer dizer que esse palhaço, esse palerma, esse otário que dirigiu esse desperdício de celulóide, essa merda em 24 quadros por segundo, vai ser o jurado dos curtas?" E eis que logo nesse momento ele, o Jurado Ubíquo, surge de dentro da piscina do hotel, e olha para você com olhos raivosos, e você nem tem tempo de ocultar o seu nome no crachá, que ele rapidamente registra e risca da sua lista mental de possíveis premiados.

A Perua Decadente:

Ela é praticamente um clichê dos Festivais. Consome vinho, champanhe, cerveja, café, tequila, cocaína, maconha, calmantes e anti-depressivos, não necessariamente nessa ordem. Detonada, dança na pista do bar do Serrano ou equivalente e se masturba com uma das colunas do local. Grita, dança, pula, bebe, grita, grita. Termina a noite abraçada com um jovem cineasta, ou então com a coluna mesmo. No outro dia, de óculos escuros ocultando as olheiras, ela vai ao palácio e sorri para os fotógrafos de dentro do seu casaco de peles, e acena para a multidão, e entra no cinema e aproveita o silêncio relativo dos filmes para colocar o sono em dia até a próxima festa.

Os Apresentadores Engraçadinhos:

Não se sabe se a inspiração foi a cerimônia brega do Oscar ou os processos de tortura realizados pela Inquisição na era medieval. O fato é que em todo festival existe uma dupla de apresentadores que repete "ad nauseaum" piadas sem graça. É verdade que a maior parte da culpa não é deles, e sim do Abominável Roteirista da Cerimônia de Premiação (outra criatura mítica que não se sabe se existe ou não). Mas seus sorrisos artificiais e constantes gafes não colaboram para torná-los menos chatos, ficando realmente engraçados apenas quando um holofote quase cai sobre as suas cabeças e eles se tornam, por um breve instante, seres espontâneos.