Um pesadelo e um funeral

por Wagner M.

wvm25@hotmail.com

Nada mais propício para a ocorrência de pesadelos do que uma noite dormida dentro de um quarto quente numa noite abafada.

O que ocorre é que, com a proximidade do verão, esta configuração noturna ocorre com freqüência e com ela a irritante incidência de pesadelos. Sim, pesadelos. Os tipos mais comuns enfrentados por mim: ficção científica, acidentes, mortos conhecidos que ressurgem na sua vida, quedas e, para mim o pior tipo, o gótico.

Ontem enfrentei um pesadelo que me fez pensar que somente uma internação no São Pedro com direito a eletrochoques poderia reestabelecer minha condição de "mentalmente capaz". Além da noite abafada, posso listar também como fator que contribuiu para este horroroso pesadelo o fato de eu ter ido jantar na casa de uma prima e devorado umas sete almôndegas mais ou menos do tamanho da minha cabeça.

Foi assim:

Éramos um grupo de umas trinta pessoas. Todos nós caminhávamos em direção a um cemitério arrastando seus próprios caixões que estavam amarrados na cintura de cada um de nós. Era entardecer e estava tudo nublado. Frio intenso. Para completar a quadro, acho que o cemitério era em Cachoeirinha.

Pausa - lembro de um filme, um western spaghetti qualquer, em que Ringo (ou Django?) também arrastava um caixão pelo deserto, só que dentro havia uma metralhadora. Fim da pausa.

Ao entrar no cemitério, cada um de nós, um por vez, sempre acompanhado pelo grupo todo, dirigia-se a sua própria tumba para ser enterrado vivo. Não havia coveiro para ajudar nesta tarefa e todas as pessoas pareciam conformadas em serem enterradas, inclusive a ausência de um coveiro para realização da tarefa parecia chatear as pessoas que deveriam ser enterradas, afinal de contas a ausência deste profissional tornava as coisa impossíveis, uma vez que não havia como a pessoa "auto enterrar-se".

Lembro-me que criou-se um zum-zum-zum entre o grupo de pessoas, afinal, era um problema não previsto e, por alguma razão estranha, estas pessoas não podiam ajudar outras a se enterrar. Este problema surgiu logo no início, quando uma velhinha de cabelos brancos dirigiu-se a cova destinada a ela. Muito curiosamente, esta velhinha era uma que às vezes participa daquelas patifarias do "topa tudo por dinheiro" (!).

Não sei bem porquê, deixamos a velhinha para trás com seus próprios problemas e seguimos para o ponto do próximo enterro. Ao lá chegarmos, todo o grupo parou e os olhares foram voltados para mim. Era a senha. Eu era o próximo. Tentei argumentar que a tarefa era impossível pela ausência do coveiro. Não tive sucesso e fui abandonado pelo grupo. O pior naquele momento era ver o grupo se afastando. Ao longe podia se avistar a velhinha resmungando algo e caminhando em círculos ao lado da cova já aberta. Aquele problema parecia afligir-lhe por demais. E assim, aos poucos, o grupo foi dissolvendo-se ao longo do cemitério. Não havia tumbas estilo capelas. Eram todas covas para enterrar indigentes, cavadas direto na terra crua. De onde eu estava podia enxergar todos os membros daquele grupo inicial de trinta pessoas, todas debruçadas sobre o mesmo problema. Como enterrar a sí próprias?

Não existia cor. Todo o pesadelo deu-se em tons de cinza.

Lá pelas tantas, meu organismo achou por bem encerrar o martírio e acordei. É interessante este mecanismo de defesa que nos faz acordar quando um pesadelo começa a adquirir proporções demasiadamente assustadoras. Me ocorreu que, caso este mecanismo funcione de maneira incorreta, a pessoa morre dormindo. Morre de pesadelo. Infarte causado por pesadelo, mas o médicos diagnosticam somente infarte, pois não tem como descobrir. Todos os que morreram dormindo podem ter morrido de pesadelo.

Dicas:

- Não comam banana e maionese antes de dormir.

- Não tente dormir imediatamente após acordar de um pesadelo. Ele pode continuar. É o pesadelo em pílulas. Pode parecer estranho mas comigo funciona assim, não adianta acordar e dormir em seguida. É como intervalo comercial de novela, o drama continua de onde parou e às vezes a reviravolta na história do pesadelo é para pior.

- Acenda as luzes e as mantenha assim por algum tempo para espantar qualquer ente maligno que você julgue estar presente no ambiente. Eu sempre tenho esta sensação ao acordar de um pesadelo.

- Procure dormir acompanhado. É sempre menos encagaçante. Este dias acordei de pau duro após um pesadelo e tentei aproveitar para comer minha namorada. Disse para ela: "Estou de pau duro, vamos aproveitar e dar uma trepada?". Ela respondeu sem tirar a cabeça do travesseiro e abrir os olhos: "Vai mijar que é tesão de mijo". Bastante frustrante, mas a frustração ajuda a esquecer o pesadelo. É mais ou menos como a terapia do joelhaço do Analista de Bagé.

- Ligue a tv que vai ter algum pastor eletrônico rezando na Record. Eu sei, é uma merda, mas pelo menos é algum ruído no que antes eram só trevas. Ah... na CNT de madrugada tem umas barangas fazendo strip-tease, o que sempre pode render uma punheta que funciona como distração para o cérebro.

- Dê um pulo até a geladeira, sempre coçando o cú, e tome longos goles de água. Não que você esteja com sede. O objetivo é fazer o tempo passar para que você possa dormir e não retornar ao capítulo seguinte do seu pesadelo.