VELÓRIO

por V.K

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Eu não sei porque alguns adultos levam criança aos enterros. A não ser que o falecido seja muito próximo dela, ela jamais entenderá o sentimento que envolve tudo aquilo.

Eu era muito pequena e nem me lembro bem da pessoa que protagonizava aquele velório, sei apenas que era um tio em segundo grau, do qual não me recordo o rosto, o jeito, nem tenho certeza do seu nome.

A manhã estava perfeita, na verdade perfeita para um enterro, parecia um filme italiano, com chuva fina e temperatura baixa, só não sei dizer quantos graus porque, para as crianças só há dois conceitos de temperatura, ou está quente ou está frio.

Eu quis olhar o corpo, ver o rosto "dele" pelo vidro, mas minha mãe não deixou, alegando que eu poderia ficar chocada, mas nada me perturbava, eu cheguei a pensar em forjar algumas lágrimas para acompanhar os familiares, mas eu estava tão feliz...

Sempre odiei hospitais, tive algumas internações até os meus cinco anos, isso sim me chocara, mas eu estava na capela de um hospital e saltitava por entre os carros estacionados. Estava contente por estar lá e poder ir embora a qualquer hora, sem aquela camisola ridícula e aquele cheiro deprimente, uma mistura de remédios e desinfetantes.

O clima italiano ficava evidente pelas mulheres que, na sua grande maioria, vestia preto. Uma de minhas tias ainda tinha as unhas vermelhas e usava um lenço branco para enxugar as lágrimas.

Me lembro bem porque ela entrou em crise quando baixaram o caixão.

Pra ser sincera, a única tristeza que tive naquele dia foi ao voltarmos pra casa, numa carreata lenta e fúnebre, quando cruzamos uma daquelas pequenas vilas de beira de estrada. Ainda me lembro d’aquela menina, posso sentir seu olhar penetrando os meus olhos e atingindo em cheio o meu coração.

Era uma índia, ou descendente, não sei, mas ela estava lá, em pé, esperando os carros passarem pra atravessar a rua com seus pés descalços e corpo quase desnudo.

Ela me olhou e não sei o que aconteceu que me fez acompanhar seu olhar até perde-la de vista. Era uma criança ainda menor do que eu e sentia o frio que eu não sentia, e talvez, uma dor que por grande parte de meu dia, esforcei-me para sentir.

Os outros no carro nem ouviram o que falei sobre ela e confesso que também não me recordo, mas ao meu redor ficaram todos comovidos com minhas lágrimas, tentando me consolar pela perda que eu tinha sofrido.

Acho que as crianças podem sentir com a mesma intensidade as dores dos adultos, mas suas razões são sempre mais nobres.