Subversão moderna
 

Antonio José Rossato
 
 
 

Toda discussão e todo intelectual moderno que discute sobre o futuro do livro, apresenta como certa a (r)evolução do livro para o e-book (livros virtuais). A tecnologia está tão presente nas nossas vidas que hoje se discute o poder da modernidade e até onde ela pode chegar como se discute política ou futebol. Ninguém quer sentir-se ultrapassado, todos temos que estar globalizados e conectados com as novas tendências sobre qualquer assunto que, geralmente, nunca nos interessaria. Mas, somos a geração tecnológica.

No caso dos livros, quando vejo pessoas dizendo que teremos que ler livros pela Internet e já há vários escritores fazendo isso, publicando livros inteiros pela Internet, pergunto-me: - O que acontecerá com as pessoas que gostam de cheirar os livros?

Como um e-book vai satisfazer aquela pessoa que gosta de pegar o livro na mão, cheirá-lo, mordiscá-lo, abraçá-lo, beijá-lo, lambê-lo, senti-lo e, principalmente, lê-lo? Creio que num mundo assim, os suicídios serão mais freqüentes e aqueles mais fanáticos, trancar-se-ão nas bibliotecas e passarão vivendo refugiados em livros, digamos assim, de carne e osso.

Vejo neste futuro, pequenos grupos juntando-se, contra essa nova ordem tecnológica mundial, em ambientes secretos. Diariamente, elas serão iguais a outras pessoas. Trabalharão, lerão alguma ou outra coisa num e-book (mesmo sentindo estar traindo o movimento), conversarão com os amigos sobre os benefícios da tecnologia, darão risadas daquelas piadas sobre os homens de neandertal que liam livros de papel, essas coisas.

No entanto, à noite, quando a cidade dorme, essas pessoas sairão lentamente de suas próprias casas, como verdadeiras ladras e sempre em algum lugar diferente, geralmente alguma biblioteca abandonada que virou museu, encontrar-se-ão e com pseudônimos (ou melhor: nicknames) comunicar-se-ão e partilharão o amor pelo livro em papel.

Um mentor, geralmente o mais velho, aquele da época que se usava relógio apenas pra se ver a hora, chegará e de dentro de um saco de lixo guardado com muito carinho, tirará um livro impresso em papel. Esses subversivos modernos irão chorar, lembrar, pegar os livros nas mãos e ter, pelo menos por aqueles raros segundos, qualquer tipo de contato com os livros. Alguns ficarão excitados, outros, com vergonha, de tanto ter lido um e-book, não se sentirá puro o suficiente para tocar os dedos nesta relíquia.

Após as sessões, as pessoas voltarão para as suas casas e maravilhadas pelo poder daquela experiência, vão avisar as outras e a outras até o dia que uma revolução aconteça e aqueles pobres presos e exilados políticos, líderes revolucionários escondidos, subversivos procurados pelo Estado, poderão sair às ruas com um livro na mão e não ser mais descriminados.

Os reacionários, esses amantes supremos da tecnologia serão presos, torturados, mandados para bibliotecas e de lá nunca sairão. É cruel, mas toda revolução tem o seu lado bom e seu lado mau. Haverá campanhas contra a tecnologia e as mulheres voltarão a lavar as roupas nos rios. Os homens voltarão a usar suspensórios e fumar charutos feitos em casa e as crianças brincarão nas ruas com bolas de meia. O putaquepariu, nos carros voltará.

Até o dia que vários subversivos juntem-se, misteriosamente, numa ordem secreta e comecem a ler e-books. Eles se reunirão em escritórios perdidos de informática e serão perseguidos pela nova ordem do livro em papel. Começarão aos poucos e vivendo como todos os outros ao dia lendo livros impressos em papel, à noite, à escondida lerão e-books e, subversivamente, resistirão.