BABILÔNIA E FESTA
por Eloar Guazzelli Filho

Caríssimos amigos, bom saber notícias suas. Por aqui São Paulo continua no seu ofício de agitar-se continuamente apesar das eternas crises e assim esta cidade segue todos os dias despertando cedo para expelir todo tipo de gases e também conspirar para construir pirâmides e templos para os novos BAAL. Mas, por incrível que pareça, eu continuo gostando, parece que todo dia me oferece alguma nova possibilidade, novos signos para ser em decifrados, ou tipos humanos, e anda temos para diversão as bizarras construções e estilos desta cidade que perdeu as escalas. De qualquer forma aqui podemos ver o que há de mais grandioso e aviltante na civilização brasileira, no mesmo dia em que descubro belas casinhas suburbanas em meio ao caos em que se transformou a área central desta cidade, posso ver a rapaziada surfando no teto dos ônibus ou o aparato policial fascista em ação em varios pontos da cidade (a caça é um esporte muito apreciado, humanóides, principalmente). A poesia neste espaço urbano completamente desarranjado resiste entranhada nos locais mais improváveis, cercada de feiúras e horrores absurdos, resiste como uma espécie de erva daninha, teimosa, irredutível e eu acabei fascinado por esse jeito da cidade. Esta metropole alvo de tanta expectativa, tanta esperança de redençao, tanto esforço que por fim resulta num rosto anulado, num corpo amarfanhado, socado junto com dezenas de outros no transporte urbano eterno de cada dia, coisa mais triste diria minha vó. Mas a cidade sempre tem suas surpresas, o ser humano e os brasileiros em especial têm uma imensa capacidade de surpreender. Acontecem coisas divertidas, no meio do cinza a babilônia brasileira mostra suas muitas faces e a delícia dos sotaques. E aí eu me divirto, às vezes vou pro meu trabalho de trem, me transporto pro universo dos subúrbios mas também me lembro das viagens pra fronteira, as casinhas de teto baixo na beira da linha, as instalações ferroviárias, o ruído metálico das rodas da composição, e aí eu descanso a alma em plena São Paulo. Demorou, mas eu estou aprendendo a viver, cada vez mais longe das coisas oficiais, avesso ao espetáculo, mergulhado na multidão e atento ao detalhe. O resto me parece um pouco patético. Portanto, seguimos vivos, um pouco mais perplexos com o desvairio geral da humanidade mas ainda com energia para resistir da melhor forma que nos parece possível - criando histórias, urdindo pequenas mentiras sobre o cotidiano, acreditando na graça e no humor, detestando a prepotência, a arrogância de orientais e ocidentais, meridionais e setentrionais, toda esta gente humana e cruel, se levando tão a sério, incapazes de verem no espelho o espetáculo patético deste macaco pretensioso. Pobre humanidade, é dificil evoluir. Ainda odiamos como nas cidades de UR, ainda adoramos deuses cruéis e sacrifícios, somos sedentos de sangue. Eu, meus amigos, como eu dizia, estou começando a aprender. Pra variar um pouco, passo as festas em Porto Alegre (por falar nisso, quando e onde será a festa da Casa de Cinema?) e o ano nuevo em Cabo Polônio. Felicidades.

Eloar Guazzelli Filho


 

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