QUEM TEM MEDO DA YOKO ONO?

por Rafael Custódio de Lima

crcustodio@cpovo.net

(Comentário do Rafael. Aqui, o professor de Economia disse para escrever algo de acordo com seus interesses. Enquanto a maioria escrevia sobre: a economia na Austrália, a política na Romênia, as leis das Filipinas, o governo da Indonésia, o Rafael pensava: sobre quê eu posso escrever que eu tenha interesse e me divirta fazendo, ao mesmo tempo que as pessoas comuns possam se relacionar e/ou compreendam (ou pretensamente copreendam) mas que ainda assim eu possa acrescentar algo ou mudar a percepção dessas pessoas de alguma maneira. Divirtam-se.)

É fato sabido que o fã médio dos Beatles não gosta da Yoko Ono. É também fato sabido que o japonês médio também não gosta da Yoko Ono. Além disso, existem muitos artistas que também não gostam da Yoko Ono. Qual será a razão provocada por ela? John Lennon disse uma vez: "Yoko é a artista desconhecida mais famosa do mundo". Mas, essa contradição de idéias se pode incluir no conceito de arte da Yoko Ono.

Mas, como assim? Se perguntará o leitor.

Desde sua infância, ela sempre se destacava por sua mentalidade livre. Além disso, ela teve a oportunidade de conviver e criar com pessoas de mentalidade muito livre (Condição básica para poder desenvolver a sua). Porém, se eu falar um pouco a respeito da vida e obra, obra e vida da Yoko Ono, talvez os leitores compreendam porque as pessoas tem medo da Yoko Ono.

Muito bem, comecemos ...

O pai da Yoko gostava muito de música clássica e queria fazer sua filha uma pianista. O problema é que os dedos dela eram curtos demais. Ao se deparar com esse problema, o pai dela mudou de idéia: queria torná-la em uma cantora de ópera. Ele gostava de obras épicas e belas de Puccini e Verdi, ao passo que ela gostava de canções de não tão nível: o jazz de Nina Simone, as canções de Kurt Weill e Bertold Brecht e as óperas de Alban Berg. Além disso, ela queria ser compositora, para seu pai, mulheres não podiam  criar, somente ser intérpretes.

Nessa época, Yoko e sua família moravam em San Francisco, nos EUA, o professor da escola de música que ela frequentava lhe fez a seguinte sugestão: "Tu pareces gostar de uma arte mais arrojada, de uma música de vanguarda. Por que tu não vais à Nova York, e tenta trocar idéias ou estudar com o Edgard Varèse, o Henry Cowell ou o John Cage?". Ela fez o que seu professor sugeriu, pediu para entrar no meio vanguardista de Nova York e desenvolveu uma relação de mestre-discípula com John Cage.

Cage foi, juntamente com Marcel Duchamp, um dos artistas mais revolucionários do século 20. As suas buscas englobavam a quebra de barreiras entre as artes (como consagradas até então); a arte (cultura de alto nível, elitista) ser mais importante que a de baixo nível, Popular); a tentativa de não utilização do ego no momento da criação artística, utilizando-se para isso, através de idéias geradas pelo seu estudo do zen budismo, do ruído (natural e eletronicamente produzidos), de colagens sonoras, de sons pré-fabricados, da performance, da poesia.

Na década de 50, Cage, ao lado do bailarino-coreógrafo Mercy Cunningham, concebeu uma escola do novo pensamento artístico (Black Mountain College). Essa escola não se baseava na clássica relação hierárquica professor-aluno (Lá, o aluno tinha oportunidade de ensinar algo a todos, tornando-se também um professor) e tampouco limitava as artes aos seus campos de conhecimento até então explorados, mas as mesclava e as expandia (É fato histórico a primeira performance ter acontecido lá). Dos discípulos dessa escola, saiu o grupo de artistas dos mais importantes e de influência mais marcante das últimas décadas. Porém, devido a natureza um pouco humorística e algo sarcástica desse grupo, é recomendável não utilizar esse tipo de linguagem bajuladora, sob pena de tornar-se alvo de ovos e tomates: senhoras e senhores, esse grupo se chama Fluxus.

Dentre todos os menbros, o melhor amigo de Yoko era o idealizador do grupo, o lituano George Maciunas. A norma e uniformidade dentro do Fluxus eram os membros serem dos mais diferentes tipos, procedências e modos de pensar: dos Estados Unidos, os poetas-perfomers George Brecht e Dick Higoins, a não-cellista Charlotte Moorman e o famoso avô do cantor Beck (Hansen), Al Hansen; da Alemanha, o ex-piloto de guerra, professor-agitador universtário, conhecido pelo uso de gordura, feltro, mel e outros materiasis orgânicos nas suas instalações e performances. Joseph Beuys é o video-artista-performance, amigo do Stockhausen, Wolf Vestell; da França, mais especificamente de Nice, o poeta-piadista também performer, Ben Vautier (www.ben-vautier.com); da Coréia, o video-artista (amigo do Hans Donner), ex-aluno de Stockhausen, corruptor da Charlotte Moorman, Nam June Paik. As obras de Yoko Ono nessa época, a mostram como uma pioneira da arte conceitual. O livro de poemas Fluxus/partituras para performance "Grapefruit" é uma obra de destaque (Na capa "do disco "Image" de John Lennon está escrito um desses poemas).

Os anos 60 foram o tempo de experimentação de Yoko Ono: ela levou às últimas consequências a livre expressão artistica. E com certeza as pessoas comuns e desinformadas se chocavam com isso. Por exemplo, na performance "Cut piece", os espectadores deveriam cortar a roupa dela com tesouras até que ela ficasse completamente nua. Em 1966, John Lennon viu uma obra de Yoko Ono, em uma galeria de Londres e ficou impressionado pelo seu espiríto positivo. Alguns dias depois, em uma vernissage de uma exposição de Claus Oldenberg, Lennon se encontrou com Ono. Assim, começou o casal John&Yoko. Lennon foi o Beatle mais inquieto e atrevido. Após se casar com Yoko, ele encontrou uma paz de espiríto que sempre buscara, mas ao mesmo tempo pode desenvolver suas tendências vanguardistas. Juntos, os dois fizeram música, filmes experimentais, instalações e performances (Por exemplo, a famosa Bed-peace).

No fim dos anos 60, Yoko deixou de lado o mundo das artes visuais, e passou a se concentrar na música pop. O primeiro disco de John e Yoko, foi mal compreendido "Two Virgins". Não era somente um disco de música experimental do maior pop star da época e sua esposa excêntrica. Na foto da capa, eles estavam nu em pêlo... Com certeza os fãs dos Beatles não compreenderam a forma, nem o conteúdo. Nos anos 70, formou a Plastic Ono Band, e tocou junto com Frank Zappa, Eric Clapton, Ringo Starr, George Harrison, entre outros. Um ponto que chamava a atenção era a maneira de cantar muito peculiar de Yoko: ela usava uma voz gutural, que dava altos saltos e evoluia através vibração muito forte. Humoristicamente, Lennon chamava esse estilo de "Howling" (uivo).

Após a morte de Lennon, em 1980, a vida de Yoko deu uma nova virada. Ao receber a herança de Lennon, tornou-se uma milionária. Mas, não se conformou e manteve a sua verve ativa, continuando a evoluir e a transformar as idéias que explorara desde os tempos do Fluxus. Em 1987, 95 e 2002 lançou novos discos e saiu em turnê mundial (Na sua banda, o filho Sean Ono Lennon, também toca). Ela também participou da Documenta (Alemanha) em 1992 e da Trienal de Yokohama (Japão) em 2001. Sonic Youth, em um CD duplo que interpretava composições experimentais da música do século 20, incluiu também uma composição conceitual de Yoko Ono.

Se destacarmos os principais pontos da vida-obra, obra-vida de Yoko Ono, poderemos ver que a sua principal idéia é a de liberdade. Seja misturando arte popular inteligente e deselitizando a vanguarda; seja mostrando-se nua em público, não por exploração sexual barata, mas sim para quebrar as barreiras que a sociedade impõe às pessoas; seja protestando publicamente em campanha desmoralizadora para o governo americano, contra a guerra do Vietnam e outros problemas políticos-sociais; ou simplesmente quando o novo na arte, a promessa de vida eterna que a arte nos dá. Pensando a questão dessa maneira se pode perguntar: Por que uma pessoa com espiríto positivo e criativo, produz uma reação tão negativa em tantas pessoas? Isso é uma prova concreta da ignorância dessas pessoas. Essas pessoas tampouco tem a capacidade para compreender as idéias de Yoko Ono. Ou melhor, não as querem compreender. A razão é que essas idéias fazem estremecer as falsas bases de segurança e conforto que o sistema oferece a todos. A fim de sua auto-manutenção, o sistema precisa de um pouco de tolerância. Leiam bem, um pouco.