[ NÃO 80 ]
outubro/2004


YOGURT GAÚCHO CASEIRO
*carolina_cimenti
Acredito eu, que todos os Estados criem um tipo de ligação emocional entre os seus filhos. Mas como, ah! eu sou gaúcha, só posso falar da minha própria experiência tchê-bagual. Vivo nos pampas europeus há praticamente três anos. E tenho que admitir, mesmo que isso acabe criando um olhar torto dos meus irmãos gáutchos (como se diz aqui), que invejo os paulistas e cariocas em uma coisa: quando digo que sou brasileira e tenho que explicar de onde, Pôurtou Alegrüe (em sotaque gringo) não é quase nunca a cidade mais lembrada. Não, camarada, não sou do Riôu di Djaneirou, não. Nem de Sáu Paulou. Sou do sul... lá de onde o diabo perdeu as botas! 

Tá(mm). Até aí morreu Neves, né(mm)? Mas e daí? 

E daí que sempre que tem algum paulista (ou carioca) bobinho por perto, então além de gáutcha, eu tenho que ouvir que sou ARGENTINA. "Ah, você não conhece Porrrto Alegre porrrque isso é lá perrrto d'Arrrgentina... aliáish, essa garota num é brasileira, na verrrdade, é arrrgentchína". Mas paraí(mm), argentina não, né(m)? Pó pará(mm)! 

Nessas horas, gaúcho faz uma cara de quem tá achando a "maiorrr graça" da piadinha TRI engraçada e explica que pertence a terras brasileiras sim, as mesmas onde nasceram Ronaldinho Gaúcho, Falcão e Luiz Felipe Scolari. Opá! Daí eles começam a entender do que a gente está falando (se forem ingleses, italianos ou espanhóis, pelo menos, se for um belga, cuja relação com o futebol internacional não é suficientemente apaixonada, melhor partir para um bate papo sobre o tempo... ops, não, não, salte o papo sobre o tempo...). 

E tem sempre o grande momento "brazucas reunidos lembrando das delícias que deixaram para trás na pátria amada", que repete-se invariavelmente depois das apresentações formais. Eles falam em brigadeiro, nós falamos em negrinho. Eles chamam farol, nós, sinaleira. Eles perguntam como dizemos meio-fio e riem quando respondemos cordão. Brigadeiro-branco (créééédo) x branquinho. Gol x goleira. Mexirica (se escreve assim?) x bergamota (na linguagem selvagem vale até vergamota, né(m)?). Enfim, o Fischer ia se lambuzar com esse prato cheio de gauchês e porto-alegrês na mesa. 

E como nós, lá do sul, somos muito cultos, âigale-tchê, e já conhecemos praticamente todas essas variações nacionais, não achamos a menor graça no momento vosssê X tu(mm). Só os centristas mesmo, com suas "línguas" predominando no Programa do Gugu e no Domingão do Faustão para acharem que as palavras se resumem ao que eles falam. 

Daí, enquanto os compatriotas se divertem nessa rodinha de papo-furado, aparece uma conhecida gaúcha:

- Oi, e aím? Tudo bom?

- Tudo, e tu, guria? Nunca mais tinha te visto por aqui(mmmm)...

- Pois é, eu tive em Pôrto.

- Bá, que saudade do Portinho. Esses dias um amigo meu me ligô lá da Cidade Baixa só prá me dá inveja. Me disse que tava lá, tomando uma ceva com a gurizada depois do Gre-Nal, maior zuêra.

- Ai, foi tri bom mesmo passar uns dias em casa. Matei a saudade de churrasco, ambrosia e trouxe um carregamento novo de erva-mate. Encontrei aquele teu amigo, o Vicente...

- Ah, o marido da Dedé, né(mmm)? Ela tá grávida de novo, não tá(mmm)? 

Eis que a conhecida vai embora, e alguém da rodinha nos pergunta:

- Com'é qui cê conhece a Lilian tão bem?

- Não, eu não conheço tão bem, só que a gente é gaúcha, daí, sabe como é, né(mm)? 

Não. Eles não sabem. 

Encontrar paulistas e cariocas por aí é comum demais para eles entenderem que a realidade de um estado pode ser grande como uma ervilha. O mundo gaúcho é um "yorgut" real. Quem nunca se deparou com uma frase assim: Báh, mas tu sabe o André? O ex-namorado da Pati, aquela que trabalhava na Zero, mas foi mandada embóra(mm)? Pois é, ele agora tá com a Nêga, sabe(m)? Aquela que abriu um restaurante ali na Casemiro, pertinho do restaurante do pai do Alexandre...

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No fundo, somos todos brasileiros, alguns mais gaúchos que os outros. 
 

*jornalista brasileira exilada em Bruxelas

 

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