NA DÚVIDA, NÃO MATA. VOTO SIM.
Jorge Furtado

Se o sim vencer o plebiscito do desarmamento ninguém vai morrer por causa disso. Ou vai? Acho que não. Ter e portar armas é um perigo real, comprovado, você corre mais risco de morrer a tiros se tiver uma arma do que se não tiver. Alguém contesta? Não.

Por que então pessoas que não têm nem querem ter armas defendem a venda de armas e munições em lojas? Na televisão, falam em "sagrado direito" de ter uma arma, uma máquina feita para matar pessoas, meu Deus, que deus burro é esse?

Uma vez eu estava tentando estacionar o carro no shopping, o estacionamento estava bem cheio, e tive que dar algumas voltas até encontrar uma família carregando o porta-malas. Parei, liguei o pisca-pisca e esperei pacientemente que a família, pai, mãe, dois filhos pequenos, entrasse no carro, se acomodasse, ligasse o carro, encontrasse a ré, etc, e desocupasse a vaga. Foi quando um sujeito num vectra prateado, surgido pela contramão, pegou rapidamente a vaga pela qual eu, com crianças no banco de trás, esperava já há alguns minutos. Pisquei luz, buzinei, abri a janela, avisei que eu estava esperando a vaga. O sujeito desceu do carro, riu, fechou a porta e saiu dizendo: "O mundo é dos vivos".

Tenho quase absoluta certeza que, se eu tivesse uma arma, tiraria o tal sujeito da minha vaga à bala. "Ah, o mundo é dos vivos? Então, seu desgraçado, filho de uma que ronca e fuça, agora tu vai roubar vaga no mundo dos mortos! Toma!" PAU! PAU! Felizmente eu não tinha uma arma e portanto continuo vivo e solto, assim como aquele roubador de vagas desgraçado. Talvez eu venha a ter uma úlcera por não ter saciado minha sede de vingança instantaneamente mas não acho que fazer justiça a tiros seja um bom método de prevenir a úlcera ou o stress. Ou para melhorar a segurança pública.

É de se supor que a maturidade e o bom senso prevaleçam na regulamentação da lei e que casos de evidente necessidade de porte de armas - como o de pessoas que moram em casas ou fazendas isoladas, ou buscam vagas em estacionamento de shoppings ou esperam na fila de embarque do aeroporto de Congonhas nas sextas-feiras - sejam examinados.

Se o não vencer o plebiscito do desarmamento muita gente vai morrer por causa disso. Ou não? Acho que sim. Se o não vencer, a sociedade brasileira estará dizendo que talvez seja uma boa idéia ter armas, comprar armas, portar armas. Não tenho tempo para cursos de tiros e, se o não vencer, acho que vou reivindicar o meu sagrado direito de ter uma metralhadora, ou no mínimo uma pistola automática. E o meu sagrado direito de ter um lança-chamas, que tal? Já vi gente dizendo, falando sério, que o não vai vencer e, "com a liberação da venda de armas", vai comprar um revólver, que a insegurança nas ruas está terrível.

Em "O Mandarim", conto de Eça de Queiroz, um sujeito tem a possibilidade de, apertando um botão, virar um feliz milionário, matando um mandarim no interior da China. Ele aperta o botão, afinal quem se importa com um desconhecido mandarim no interior da China? O sujeito vira um milionário, mas não muito feliz. A violência no Brasil é uma tragédia, tão grande quanto a desigualdade social, a ignorância e a fome. Não sei se o plebiscito foi uma boa idéia, se os gastos com o plebiscito não seriam melhor investidos no combate ao crime ou se a questão prioritária é essa, proibir a venda de armas. O que sei é que mais de trinta mil pessoas morrem a tiros no Brasil todos os anos. São principalmente jovens e pobres. Cada uma destas trinta mil pessoas tem uma família, mãe, pai, filhos, maridos, esposas, namoradas. Voto sim, sei que o número de mortos não vai aumentar pela vitória do sim. Acho que pode aumentar pela vitória do não. Alguém acha que não?

Jorge Furtado, 20.10.05