SÓ PENSO EM VOCÊ
 
um conto de Nelson Nadotti
 
Rosa amava Carlos que amava Gina. Não, não é bem isso. A verdade é: Rosa tinha uma obsessão por Carlos, que tinha uma obsessão por Gina. Gina não tinha obsessão por ninguém. Gina dava pra qualquer um, menos pra Carlos que não agüentava ser bonzinho com Rosa.

Rosa ficava no mundo da lua, devaneando, se Carlos respondia com gentileza a uma indireta sua.

Carlos era capaz de rastejar no chão, pela esperança de Gina dedicar um segundo de sua vida e um pouquinho de seu afeto a ele.

Gina não dizia "não" a Carlos. Sussurrava "talvez", "depois" ou gritava "nunca!".

Rosa começa a habitar cada vez mais o mundo da lua. Lá, Rosa é feliz. Carlos está sempre presente, os dois se amam, têm filhos. Carlos não sai de casa por nada deste mundo, vive grudado a Rosa, é um menino, precisa de proteção forte, ela o protegerá, em troca de ouvi-lo dizer com um sorriso: "Obrigado, Rosa."

Gina trepa sem parar. Faz de tudo por uma boa foda. Cheira, bebe, fuma, mas não fica sem uma boa foda. É uma devoradora de homens. Mata os amantes no cansaço. Um dia, eles fogem. Não agüentam fuder dia e noite. Ela procura mulheres. Procura animais. Vibradores. Cabides. Garrafas.

Carlos encontra uma Gina incomunicável. Ela já não brinca de sadomasoquismo inconsciente com ele. Ele a leva para casa. Quer cuidar dela. Mostrar como pode ser bom para Gina. Ela não vai deixá-lo, depois disso.

Gina já não fala. Não come. Vomita. Trincada. Gina é um porre. Gina cansa. Gina dá no saco e Carlos quer dar um tempo nisso tudo. Ele até consegue, um dia, comer Gina. Mas é como se fosse um sanduíche de borracha. Não tem gosto. E não era isso que ele queria quando corria atrás dela feito um cachorrinho, auauau, auauau.

Se arrependimento matasse. Fudendo com um vegetal. Ela está morrendo, Carlos, e você aí esporreando numa buça sem função. Que remorso, seu! Não tem vergonha? Mas faça alguma coisa, ela está mal! Chame a polícia. A farmácia. A família. Não. A Rosa. A Rosa é boa. É calma. A Rosa ajuda.

A Rosa aparece. Carlos aflito. A Gina mal, apagadona. A Rosa, coitada, no mundo da lua. "O que é isso?", pensa a Rosa, vendo a Gina. "Ah, é a nossa filhinha, minha e do Carlos. Tá dodói." E toma Gina em seus braços. Canta uma música de ninar, uma coisa que sua mãe lhe cantou quando era menina. Carlos ronda por ali, inquieto. A Gina para de gemer. Rosa ronrona. Carlos preocupado com Gina: "Apagou geral?" Um gesto tranqüilizador de Rosa. Gina dorme, a expressão relaxada, em paz, bem.

Rosa e Carlos deixam Gina a sós. Um longo silêncio. Carlos se alivia. Rosa devaneia. Carlos é sincero: "Obrigado, Rosa." Rosa o toma, um abraço. É um menino.