O déspota do bicho-grilismo
por Frank Jorge
 
Dia desses tropecei no déspota do bicho-grilismo em plena Osvaldo Aranha. Ele não era o da foto aí de cima. Este sou eu e imaginei que seria esclarecedor anexar uma foto com o semblante em questão. Foi com esta cara de cu que fiquei ao vê-lo trabalhando com minúsculas ferramentas n'um tarugo de madeira clara. Certamente tamanha empresa renderia um nº considerável de maricas e cachimbinhos. E ele seguia desempenhando compenetrado seu labor. Ora frenético, ora distante. Não estava nem aí se venderia ou não sua produção. Volta e meia limpava o ranho na manga de sua camisa Hering com uma estampa da Janis que, por sua vez, já estava ficando de cabelo verde. A sandália dele era de couro e sola de pneu e o design do produto denunciava sua origem : as mãos do déspota do bicho-grilismo. Um pé maior que o outro, sendo um justinho e outro com folga de dois dedos. O que me surpreendeu não foi o shape do cidadão mas encontrá-lo acompanhado de minha primeira namorada em semelhantes trajes tocando n'uma flauta doce Rosa de Hiroxima. Ela também estava na sua e olhava fixo pro nada buscando um ponto entre ônibus e carros. E dê-le ferramenta no tarugo. Subitamente ele para. Pensei que finalmente estava percebendo minha presença. Ele pôs a mão na mochila peruana e aí.......pegou um isqueiro e aí...........puxou um incenso e acendeu alí mesmo. Era de cinamomo, pelo menos uma vez um amigo me disse que cynamon era cinamomo e eu acreditei. Ficou sendo. A 1ª namorada fechou os olhos para sentir o cinamomo e..... sorriu. Assim que parou de tocar, começou a morder um pedaço de uma coisa meio borrachenta, tirada do bolso da jaqueta Lee, que parecia um pão de queijo. Na terceira mordida que ela deu, virei levemente meu rosto e ví um primo meu mais ao lado e ele estava com uma camisa do Raul . Não, não era do Pont. Era do Seixas. E ele igualmente trabalhava na madeira. E ele parecia muito preocupado com os contornos que o tocão assumia. Pensava talvez em fazer um porta-coisas super útil e bem trabalhado e a madeira que restava não era suficiente. Olhou pro lado e viu umas trinta maricas. Todos os tamanhos. Mini, média, família. Relativamente conformado, o primo parou de fazer o que estava fazendo, levantou-se e caminhou até uma senhora que era a minha MÃE!!!!! Corri mais do que nunca, segurei nos seus ombros e disse: - Mãe, volta pra casa, o presidente tava brincando quando te chamou de vagabunda.
 
(cidade de Porto Alegre, 23 do maio, 1998)