Presos em Maringá
por Clarah Averbuck
 
 
"Inteligência Militar é uma contradição em termos"
"Justiça militar está para a justiça como a música militar está para a música"
(Groucho Marx, meu guru)
 
 
Só em Maringá acontece esse tipo de psicodelia. Estávamos sentados no único shopping da cidade (odeio shoppings, só entrei lá por necessidades fisiológicas, mas Groucho e Murphy me emanam vibrações tragicômicas), quando chega uma segurança com cara de crente da Igreja Universal do Reino do Jacaré, pedindo prá tirar os pés da cadeira. Sim, eu admito que eu tive uma atitude de adolescente iggy pop korn girl, mas começou uma discussão estúpida com a mulher. Well, a Lei da Gravidade deu uma forcinha e fez cair o canivete do bolso de um dos seres presentes (que ele ia usar pra cortar mato na chácara). Ela pegou, disse que ia levar, e blah blah blah.

Diálogo: Eu "- Cabou a palhaçada. Devolve o canivete que a gente vai embora direitinho, que nem gente grande."

Crente "- Sim, vocês vão sair. Me acompanhem, por favor. "

Fomos os panacas atrás da mulher (eu, e mais 5 criaturas, incluindo 3 menores), entramos num elevador com 5 seguranças vestidos de azul ("mibs", men in blue), 2x2, nem um pouco simpáticos. Fomos escoltados pelas catacumbas do shopping, , e acabamos trancados numa salinha com mais um número considerável de mibs. Lógico que eu comecei a discutir com a crente, e qual não foi minha surpresa quando descobri que ela havia chamado uma viatura prá nos buscar, além de ter decidido ignorar toda e qualquer coisa que qualquer um falasse. Já estava virando filme italiano com co-produção francesa ( a menina que estava junto ficou histérica, aquilo ia causar muitos problemas prá ela, e a crente liberou-a, mas não sem antes torturar bastante a pobre garotinha, dando um toque de novela mexicana misturada com seriado da Sony Entertainment).

Esperamos, esperamos... Fizemos piadas, milhares de piadas a respeito...Descobrimos que esses cidadãos não só incompreendem como tem a capacidade de distorcer uma frase irônica a ponto de te transformar em uma libertina pervertida (não que eu não seja). A moçoila teve a habilidade de transmutar "se nós estivéssemos cometendo atos libidinosos sobre as mesas do shopping" para " Em Porto Alegre nós cometemos atos libidinosos sobre as mesas dos shoppings". Até os seguranças estavam se segurando prá não rir (são seguranças, afinal de contas), de tão ridícula a situação. Uma hora depois, finalmente chegou a viatura com os prestativos homens da lei do Paraná. Eles começaram a berrar, foram delicados como de costume, nos chamaram de bostinhas, mal-educados, e todas as coisas simpáticas que se espera de um tira. Nos socaram numa viatura fedorenta, onde cabia 1/2 Nelson Ned, e rumamos alegres e pimpões para a delegacia... Nos revistaram, deram sua usual demonstração de racismo, fizeram nossa ficha, chamaram os pais dos menores, tentaram nos humilhar mais um pouco, colocaram os dois maiores numa cela podre, pequena, com vários traficantes e homicidas, e me botaram numa cela com presas extremamente simpáticas, que ficaram minhas amigas (o delegado ficou tão furibundo com o fato de que eu e as presidiárias estávamos rindo e nos divertindo as custas dele e seus métodos maravilhosos que soltou um PSCHT! ameaçador de algum lugar remoto da delegacia). Passamos mais ou menos três horas na dp, até que o delegado, com toda sua cordialidade e nobreza dignas de um jogador de futebol, decidiu nos retirar de lá.

A audiência foi dia 30/3, respondendo por "perturbação do sossego", sendo que a única paz perturbada foi a nossa. A vítima? Comunidade. Foi ridículo, sem sentido, sem explicação lógica, mas... Foi engraçado, e certamente menos entediante que uma visita regular a Maringá city. O julgamento foi basicamente assim: Quando o juiz descobriu que tinham nos deixado em celas porque estávamos com os pés nas cadeiras, arquivou o processo imediatamente, porque "a referida contravenção não se caracterizou, contituindo-se em fato atípico". Registre-se (isso quer dizer que eu perdi a primariedade). Arquive-se (isso quer dizer que mais uma injustiça sem sentido, por menor que seja, é esquecida). Nada mais havendo encerrou-se o presente termo que lido e achado conforme vai devidamente assinado.

23.1.98