GOSTEI, NÃO GOSTEI
filmes comentados por Nelson Nadotti
 
 

A gaiola das loucas, de Mike Nichols - o título faz alusão às "loucas", como são conhecidas as pessoas que insistem em ir ao cinema acreditando que podem assistir a uma boa comédia dirigida por Mike Nichols; ao entrarem na sala, ficam imobilizadas pelo choque resultante da preguiça burocrática com que Nichols realiza seus filme depois de "Ânsia de amar" (lá se vão mais de 25 anos!), e assim as "loucas" se tornam presa fácil de comerciantes inescrupulosos que as mantêm numa espécie de "gaiola", ou coisa parecida, que nada mais é que a arapuca estranha a em que se transformaram as salas de cinema dos shoppings, felizes em exibir filmes "para todos os públicos", nos quais eu não me incluo, e louca é a sua mãe. Ah, antes que me esqueça: o roteiro é de Elaine May... É a mesma que cometeu o roteiro e a direção de um troço chamado "Ishtar"; aqui, ela consegue a proeza de acabar com a graça de um texto que até hoje é encenado com sucesso no teatro, e que rendeu os três filmes originais da série européia com Ugo Tognazzi. Entendeu? Nem eu, santa.

Hairspray - E éramos todos jovens, de John Waters - filme com aquele raro entusiasmo da juventude. Em Baltimore, 1963, a gorduchinha adolescente Tracy (excelente Ricky Lake) quer participar de programa de TV onde rapazes e garotas dançam ao ritmo dos sucessos da época. Tracy arranja uma inimiga na esnobe Amber, que perde seu namorado para Tracy. E tudo se encaminha para o concurso de Miss Salão do Automóvel, quando a garota mais popular do programa será eleita numa votação popular. A coisa se complica quando Tracy defende seus amigos negros, que não são autorizados a participar do programa. Tracy acaba presa por perturbar a ordem, mas é solta na última hora a tempo de reaver o título de Miss Salão do Automóvel, que havia sido roubado por Amber. A história é simplésima, mas as danças e as canções se integram que é uma beleza com o espírito inocente dos garotos. E é divertidíssimo. Para se assistir com o som alto: tem até "Let's twist again".

O homem de Alcatraz, de John Frankenheimer - excepcional abordagem da vida de um presidiário, com Lancaster em seu melhor papel, e graças a Deus sem nada daquele exagero de "Lágrimas do céu". A mão do diretor é impecável, mas lamentavelmente a história tenta ser "séria", no terço final, e com isto ficam de lado os pássaros e a relação de Lancaster com sua mãe, uma trama de fazer babar psiquiatras, na boa, pelas analogias inusitadas, e pela crueldade da mãe, que preferia ver o filho na cadeia do que em liberdade, porque nesta última condição ele se envolveria com a mulher que aceitou ser sua esposa - e a supermãe não ia dar esse mole todo para "outra". Sensacional.

Night and day, de Michael Curtiz - Cary Grant interpreta Cole Porter, numa biografia do compositor feita na época em que ele ainda estava vivo (1946), e com isto não se menciona nada de polêmico (como, por exemplo, que ele seria homossexual). Daí, o que se vê é apenas um desfile interminável de canções magníficas (entre outras, "You do something to me", "I've got you under my skin", "Just one of those things", "Anything goes", "You're the top", "Beguin the beguine", a deliciosa "My heart belongs to daddy", e a canção-título, cuja introdução é tocada e me fez entender a acusação de plágio feita a "Samba de uma nota só", de Tom Jobim: é igual!). Mas há uma falta absoluta de conflito. Na falta de um, que tal dizer que o compositor dava mais atenção ao trabalho que a seu casamento? Nem por isso Grant faz alguma coisa para reagir: a mulher vai embora e depois volta, quando ele se recupera (mal, a verdade é essa) de um acidente que feriu seriamente suas pernas. E pronto. Esse aqui nem dez Michael Curtiz salvavam, com tamanha falta do que dizer. Que tal um documentário sobre Cole Porter sem Cole Porter, só com os números musicais? Ficava melhor.

Robinson Crusoe, de Luis Buñuel - para um livro que me maravilhou tanto, é um resultado fraco. Lembro de ter lido num álbum de figurinhas da EBAL - e me chamou a atenção como as imagens deste filme de Buñuel se assemelham àquelas, ou vice-versa. Não sei se as ilustrações se baseavam neste filme, mas Sexta-Feira era exatamente como é no filme. Admirável a idéia de Daniel Defoe ao abordar os temas da solidão, amizade e civilização através de uma aventura de um homem só, extraordinária embora verídica. E o filme tenta não sair destes temas. Mas tem alguma coisa de errada, o filme cansa, não envolve. Não sei se é o ator, pouquíssimo carismático, ou se é pelo fato de ser falado em espanhol com breguésimo sotaque mexicano, ou ainda por reproduzir o cenário da fortaleza de Robinson de forma acanhada demais (o que veio a ser bem feito em "A Cidadela dos Robinson", mas aqui era só uma produção esforçada). De qualquer forma, ainda me espanto ao pensar que Buñuel um dia contou uma história clássica de aventuras que eu, sem dúvida, teria o maior prazer de adaptar também. Buñuel, evidentemente, puxa em algum momento a brasa para a sardinha surrealista: é na cena do pesadelo de Robinson, onde ele vê seu pai lavando um porco, desperdiçando a água que poderia aplacar a sede do doente Robinson... Cena cruel para os padrões da época, mas com uma morbidez infantil que se transforma em humor.

Soberba, de Orson Welles - adaptação escrita pelo próprio Welles do romance "The Magnificent Ambersons". Um show de direção: enquadramentos, atuações, uso de claro e escuro, escalação de elenco, cenários e figurinos, tudo dá certo. Foi um filme montado à revelia de Welles - daí, talvez, as várias passagens em "fade" e o uso de um narrador. Sua duração não chega a uma hora e meia. Mas funciona terrivelmente bem. E a grande surpresa é Tim Holt no papel do rapaz mimado que impede o romance entre sua mãe e um antigo admirador.

Titanic, de James Cameron - tremenda produção. Não dá para entender como fizeram certas cenas do naufrágio. História, que é bom, nada. Tudo é contado pela velhinha sobrevivente. Ora, aí o suspense vai para as cucuias, quando vemos a mesma personagem quase se afogando: se é um flashback e ela está viva contando tudo, então ela se salvou dos perigos. Má solução dramatúrgica. Mas quem está ligando para isso, se este negócio serve apenas para faturar?...

Twister, de Jan de Bont - cinema-pipoca. Ou filme-absorvente: use e depois jogue fora.