Marketing político

Paulo Cezar da Rosa

O Novo Dicionário Aurélio define o marketing como o "conjunto de estudos e medidas que provêem estrategicamente o lançamento e a sustentação de um produto ou serviço no mercado consumidor, garantindo o bom êxito comercial da iniciativa". Na mesma linha, a Associação Americana de Marketing explica o termo como a "execução das atividades que conduzem o fluxo de mercadorias e serviços do produtor aos consumidores finais".

No mercado eleitoral, a essência do marketing é a "venda" do candidato/produto ao consumidor/eleitor. Ou o conjunto de estudos e medidas que provêem estrategicamente o lançamento e a sustentação de um candidato no mercado eleitoral, visando a vitória nas eleições.

Entre as atividades fundamentais do marketing estão a pesquisa de mercado, o planejamento do produto, a determinação de preços, a propaganda, a promoção de vendas e a distribuição. A pesquisa de mercado, ou a pesquisa eleitoral, visa conhecer as tendências do eleitor em tudo o que possa interferir direta ou indiretamente no seu voto. O planejamento do produto busca moldar o candidato às necessidades e desejos do consumidor. A determinação de preços consiste na adequação das propostas e seus custos sociais, considerando as propostas e custos apresentados pelos adversários. A propaganda, a promoção de vendas e a distribuição têm por objetivo tornar o produto conhecido, estimular a demanda e levar fisicamente o produto ao consumidor final.

Quem, a esta altura, estiver pensando como têm sido construídas as candidaturas de direita e de centro nas últimas eleições, não estará elocubrando em vão. O marketing é uma técnica, uma arma que, na democracia brasileira, aos poucos vem substituindo todos os demais métodos político-eleitorais. Se antes o que decidia era a opinião do chefe político do lugar, ou uma rede bem estruturada de cabos eleitorais, agora o que pesa é a imagem construída na campanha. Se antes o centro de uma campanha era constituído pelas propostas políticas, agora o núcleo, o carro chefe, o cérebro de uma campanha passou a ser o setor de marketing.

A feitura de um juízo de valor sobre este processo, se ele é bom ou mau, interessa pouco. O que é preciso ressaltar é que ele é um processo incontornável, próprio das sociedades de massa onde há preponderância da comunicação, em particular dos meios eletrônicos, sobre as relações interpessoais diretas e associativas. O símbolo desse império da mídia sobre a vida talvez tenha sua síntese no exemplo da família onde seus membros praticamente não falam entre si, mas assistem os mesmos programas de TV e mantém sua unidade através disso. A importância do marketing político nos processos eleitorais resulta dessa realidade em que as pessoas passam mais tempo ouvindo o que é dito no rádio ou na TV do que a si próprias e suas relações de convivência.

De qualquer maneira, importa notar que a aplicação das técnicas de venda dos produtos são cada dia mais decisivas na construção das alternativas políticas, e a esquerda, ou o que restou dela, precisa, contemporaneamente, parar de reclamar da manipulação a que "as massas" estão sujeitas (ainda que a reclamação seja melhor que nada), e passar a discutir qual marketing deve adotar.

No Rio Grande do Sul, há uma experiência em curso que deveria ser – e certamente será, com a vitória de Olívio Dutra ao governo do Estado, mas também pela manutenção da prefeitura da capital há três gestões – melhor estudada do ponto de vista da construção de um marketing diferente, que não aplica as mesmas técnicas do marketing tradicional, e portanto não sucumbe à sua lógica, mas também não nega a sua importância.

Aqui, não concebemos nossos candidatos como produtos a serem vendidos no mercado eleitoral. Primeiro, porque não trabalhamos o poder como uma instância de realização dos grandes negócios. Para nós, o poder é um instrumento a ser socializado, condição essencial para a construção da cidadania. Segundo, porque não concebemos o eleitor como um consumidor ou massa a ser manipulada de acordo com as tendências do momento. Ao eleitor têm de ser dada a possibilidade de se tornar sujeito do processo, se possível militante de um conjunto de idéias que envolvem participação, solidariedade, construção da cidadania e de espaços de liberdade crescentes.

O nosso marketing político, portanto, segue na contracorrente do marketing político tradicional. Ao invés de presidir a política -entendida como o conjunto de propostas e movimentos desenvolvidos numa campanha eleitoral- é presidido por ela. Nossos candidatos, neste sentido, não se adequam aos desejos do momento, mas trabalham por construir e desenvolver desejos presentes em setores da população. Ao invés de embalarmos nossos candidatos como um produto palatável à maioria do eleitorado, trabalhamos para que os desejos do eleitorado concordantes com nossa política se transformem em movimento consciente, em ação transformadora da sua própria realidade.

É por esse caminho que não temos cabos eleitorais pagos; temos militantes. Não dependemos de nenhuma empreiteira ou monopólio de comunicação em nossa campanha. Nossas campanhas são financiadas de maneira coletiva pela própria militância, pela credibilidade que têm nossos candidatos. Não submetemos nossas estratégias de marketing -ainda que não desrespeitemos em nenhum momento o conhecimento acumulado no setor- aos demiurgos das agências de publicidade.

Poderíamos fazer diferente? Poderíamos buscar o atalho e a "eficácia" do marketing tradicional para atingir nossos objetivos? Acredito que não; pelo menos não sem atingir a essência de nossa proposta: a construção de uma alternativa democrática e popular para o Rio Grande e o país, como um passo na elaboração de um novo socialismo, onde impere a liberdade e a igualdade de oportunidades na diversidade.

O marketing tradicional, utilizado indistintamente pelos partidos de direita e de centro no país, é um instrumento essencialmente autoritário. A base de construção das candidaturas, do programa eleitoral (que invariavelmente é diverso do que é praticado no governo) e do discurso dos candidatos, é o senso comum e não um programa político-ideológico. O candidato é trabalhado como um produto a ser "vendido" no mercado eleitoral, e não como um agente de mudanças, representante de um movimento na sociedade. O motor das suas campanhas é o dinheiro dos que os financiam, e não um conjunto de idéias e paixões disseminadas no tecido social.

A adoção, pelo PT ou pelos partidos da Frente Popular, do marketing do Sr. Duda Mendonça e seus acólitos seria a morte do próprio PT por um motivo simples: os meios, sempre, estão intimamente ligados aos fins. A adoção de uma lógica autoritária na execução das atividades que conduzem o fluxo dos nossos candidatos e das nossas idéias aos eleitores nos afastaria destes eleitores e, pior ainda, de nossos próprios objetivos democráticos.

É por isso que nós, nos últimos treze anos, não só reinventamos a política no Brasil e no Rio Grande como um movimento apaixonado, como estamos subvertendo e reinventando os conceitos do marketing, da propaganda e da comunicação em campanhas eleitorais e fora delas. Como não possuímos os meios de comunicação —que, para eles, nunca foram tão descarados na justificação dos seus fins— , o nosso veículo de comunicação primordial é o militante. É ele quem faz a propaganda, a promoção de vendas e a distribuição do nosso "produto". É o partido, com sua capilaridade social, que realiza a nossa pesquisa de mercado, forja nossos produtos e determina os preços.

No fundo, nada do que estamos fazendo é novo. O cristianismo há dois mil anos sobrepujou diversas compreensões de mundo superiores a partir de algumas técnicas de comunicação simples, mas eficazes. Quando do surgimento do cristianismo, a missa, o monoteísmo, o batismo e a comunhão já eram conhecidos. A novidade cristã foi a democratização da vida eterna, a interação de Deus, através de Jesus Cristo, com seu povo.

Quando se pretende chamar a atenção de alguém sobre um problema, há três maneiras de se proceder: utilizar palavras, encenar, ou estabelecer uma interação. A primeira é ruim, a segunda é boa, a terceira é excelente. A interação faz com que os participam dela nunca mais sejam os mesmos. O decorrer da história passa a depender dos participantes. A chave da vitória do cristianismo, o fundamental do seu planejamento de marketing, foi principalizar a terceira maneira de se proceder.

Não há dúvidas. O governo Olívio Dutra em Porto Alegre, ao estabelecer a interação no exercício do poder no município através do Orçamento Participativo, realizou esta mágica que o tornou invencível na capital do Estado. A novidade que o PT gaúcho traz consigo ( e até onde eu conheço o diferencia do PT do resto do país) não é a defesa do socialismo, a sua organização enquanto partido de massas, a defesa da união e da solidariedade contra o individualismo. A novidade do PT gaúcho, que o diferencia de todas as experiências anteriores de partidos de esquerda no Brasil, é a democratização efetiva do poder. E é por isso que a nossa militância, ampliando esse processo de interação que vimos construindo, ganhou as eleições contra tudo e contra todos.

Frente à lógica autoritária do marketing tradicional, o PT gaúcho vem tecendo aos poucos um marketing participativo, um novo método de relacionar eleitores e candidatos na sociedade contemporânea.