Nããão!!!
por Ricardo Severo
(Trecho da ópera "Os Dragões do Éden", escrita originalmente em 1985 e nunca encenada)

 



Local: O templo ao Deus Freud, na Terra de Yd
Personagens: A JOVEM, reflexo atormentado de um ego
A PITONISA, preceptora da Jovem e seu super-ego
O CORO da Terra de Yd
Tempo: Indeterminado
Situação: A PRECEPTORA tenta convencer a JOVEM de que seu sacrifício físico ao Deus Freud não deve ser questionado de forma alguma, e a JOVEM tem dúvidas. O CORO acompanha o dueto impaciente.


 

PITON.: Você tem que crer em tudo (NÃO!)
Você tem que fazer a prece (NÃO!)
Você tem que ficar mudo (NÃO!)
Pague no caixa que Ele agradece (NÃO, NÃO!)
Porque você merece,
Hi, hi-hi-hi-hi-hi, ha-ha-haaa
Ha, ha-ha-ha-ha-ha, hi-hi-hiii

JOVEM: Você tem que crer no nada (NÃO?)
Você tem que perder a ilusão (NÃO?)
Você nem existe, camarada (NÃO?)
Você tem que dizer não! (NÃO? NÃO? NÃO? NÃO? NÃO? NÃÃÃO!?!)

JOVEM: Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?

PITON.: Ora, é muito simples...

PITON.: Eu sou mística, dogmática

JOVEM: E eu sou céptíca, agnóstica?

PITON.: Mística!

JOVEM: Céptica?

PITON.: Mística!

JOVEM: Céptica?

AMBAS: Mística!/Céptica?

CORO: Não há bem, não há mal,
Nem real, nem ficção
Se princípio, não há fim,
Não há SIM, não há NÃO!
Não há Céu, não há Terra
Não há guerra nem há paz
Não há pena, nem espada
Não há nada que me apraz
Não há vida, não há morte
Não há sorte, nem azar
Nem mentira, nem verdade,
Nem certeza pra negar
Nem divino, nem humano,
Nem profano, nem sagrado
Não há meus, não há teus
Não há Deus nem o Diabo

JOVEM: Por quê? Por quê? Por quê?!?

PITON.: Ora, já disse que é simples...!

PITON.: Eu sou mística, metafísica!

JOVEM: E eu sou céptica, dialética?

PITON.: Mística!

JOVEM: Céptica?

PITON.: Mística!

JOVEM: Céptica?

CORO: NÃO! NÃO! NÃO-NÃO!

PITON.: "O amor e o ódio são os princípios de tudo."

JOVEM: "A CIÊNCIA tem raízes amargas, porem seus frutos são doces."

PITON.: Mas "devemos sempre seguir o caminho que conduz ao mais alto."

JOVEM: "Não diga pouco em muitas palavras, mas muito em poucas."

PITON.: "0 ser é, e o não-ser não é."

JOVEM: "Cala-te ou dize coisa que valha mais que o silêncio."

PITON.: "O belo é o esplendor da verdade."

JOVEM: A verdade é que "uns vivem da morte de alguns e morrem a vida de outros."

PITON.: Ora, "não devemos lutar contra o inevitável."

JOVEM: Jamais! "Conhece-te a ti mesmo."

PITON.: Mas "o homem não é infeliz enquanto não é injusto."

JOVEM: "O HOMEM é a medida de todas as coisas."

PITON.: "A sabedoria consiste em ordenar bem a nossa própria alma."

JOVEM: HUM! Eu só "sei que nada sei."

Ricardo Severo