Mais 10 amores possíveis

por José Roberto Torero

 

31

Todos os dias Átila batia em Zinha, sua mulher. Preferia usar um pedaço de pau que ele guardava embaixo do colchão, mas às vezes, quando estava com pressa, usava uma cadeira ou até mesmo a concha de feijão. Zinha suportava tudo. Nunca revidava e chorava o mais baixo que podia.

Mas numa segunda-feira Átila chegou em casa e foi direto dormir, sem dizer uma palavra, sem dar um soco. Zinha achou estranho, mas não falou nada.

Na terça-feira aconteceu a mesma coisa. E assim na quarta, na quinta e na sexta.

No sábado Átila amanheceu morto com uma faca de cozinha no peito. Para o delegado, Zinha explicou: "Alguma ele estava aprontando, doutor."

32

O que a cidade de Mirassol mais gosta é de sua bandinha, que todo domingo toca no coreto da praça. Seus astros principais são Ovídio, o maestro, e Aurélio, o tocador de tuba. Eles são tidos como verdadeiros virtuoses pelos munícipes. Mas há um problema. O maestro e o tubista amam a mesma mulher, Izildinha.

A banda já não é mais a mesma e desafina até nas partituras mais simples. A cidade anda meio triste e só Izildinha, surda de nascença, é a única que não percebe nada.

33

Íris cuidou de Esteves durante doze anos e pouco a pouco juntou dinheiro para o transplante, numa irrefutável prova de amor e dedicação.

Mas quando Esteves acordou da operação e viu pela primeira vez o rosto de Íris, não conseguiu segurar a exclamação e disse que Íris não era tão bonita quanto ele esperava. A pouco diplomática frase foi considerada pelo júri como agressão, e o fato de Íris ter furado os novos olhos do marido foi julgado como legítima defesa.

34

Fred gostava muito de Suzy, que não dava a mínima para seu companheiro de fábrica. É que Fred teve um acidente e ficou sem o braço direito. Porém, como Deus é muito sábio, certo dia Suzy ficou presa na cortadeira automática e perdeu seu braço esquerdo.

Suzy entendeu o sinal divino. Casou-se com Fred e todo domingo eles podem ser vistos passeando de mãos dadas pela pracinha de Paraisópolis.

35

Manuela é uma portuguesa com forte buço. Por causa disso nunca tinha arranjado um namorado. Até que conheceu Oto, o barbeiro da cidade. Ele ficou enlouquecido por Manuela e dizia que ela tinha tudo o que ele sempre sonhara numa mulher. Oto e Manuela casaram-se e viveram felizes por três anos, até que passou pela cidade o Circo de Variedades Istambul e trouxe Olga, a mulher barbada. Oto deixou Manuela e foi viver com Olga. Manuela, porém, não desistiu. Faz tratamento para crescimento de pelos, já fez muito progresso e tem certeza de que um dia reconquistará seu amor. 

36

Seu Raul é pai de João Marcelo. Quando seu Raul descobriu que João Marcelo fazia shows de transformismo, expulsou o rapaz de casa. Dona Neide, esposa de seu Raul e mãe de João Marcelo, ficou tão desgostosa que faleceu depois de alguns meses. Viúvo e sozinho, seu Raul teve que ir morar com João Marcelo. Lá conheceu e se apaixonou por Gisele Cristina, que também atende pelo nome de Luiz Adelmo. Hoje eles são uma família feliz.

37

Poucas vizinhas são tão amigas quanto Ruth e dona Noemi.

Dona Noemi é casada com o Dr. Alaor, que sempre foi um marido severo, de pouca conversa e nenhum agrado. Mas quando ele começou a trair dona Noemi com Ruth, sua transformação foi imensa. Como acontece com muitos maridos infiéis, Alaor passou a ser gentil e carinhoso (sendo que, às sextas-feiras, traz até flores para a esposa).

No dia que dona Noemi descobriu que era Ruth a causa da mudança do marido, tomou uma atitude: Foi até a vizinha e deu-lhe um bolo de chocolate como agradecimento.

Poucas vizinhas são tão amigas quanto Ruth e dona Noemi.

38

O que Maria Imaculada mais gostava de fazer era cuidar da roupa de Armandinho. Era o jeito de mostrar seu grande amor pelo marido. Ela mesma lavava tudo e não havia camisa que não ficasse branquíssima depois de passar por suas mãos apaixonadas. Armandinho, agradecido mas pouco entendido da alma feminina, deu-lhe de presente uma máquina de lavar. Imaculada chorou muito, e Armandinho pensou que fosse de felicidade.

Não era, e as camisas de Armandinho hoje estão com um tom triste e amarelado.

39

Carmelita orgulhava-se de ser uma grande cozinheira. Henricão, que antes do casamento era chamado apenas de Quinho, não se cansava de elogiar a esposa. Para fazer Henricão feliz - e para receber elogios -, Carmelita não se cansava de fazer os melhores pratos do mundo para o marido, que, por sua vez, não cansava de comê-los e a cada refeição ficava mais apaixonado.

O final do caso não foi dos mais alegres. Henricão, com seus duzentos e dez quilos, sufocou Carmelita durante uma apaixonada cópula. Carmelita, não se sabe bem porquê, morreu com um estranho sorriso nos lábios.

40

Farid ia a todos os jogos do Flamengo e não ia perder justamente a final. Isabela protestou. Se ele fosse a mais esse jogo ela prometia quebrar tudo. Pior: ia chamar o  primeiro homem que passasse pela rua para dentro de casa. Farid chegou a titubear, mas, paixão por paixão, a pelo Flamengo falava mais alto. Se se tratasse de um amistoso, ele talvez até ficasse em casa, mas numa final, jamais.

Durante a partida, Farid nem lembrou da ameaça da mulher, mas enquanto voltava não conseguia pensar em outra coisa. Por via das dúvidas, passou na casa de um compadre e tomou emprestado um trinta e oito.

Quando chegou, foi até a porta do quarto e abriu-a com um chute tremendo. Lá dentro viu o que menos queria ver: Isabela tinha cumprido a promessa. Farid apontou a arma para o homem (que se chamava Zózimo) e mandou-o ficar ao lado da cama para não sujar o lençol de sangue. Foi aí que aconteceu o milagre. Quando Zózimo ficou de pé, Farid viu que ele estava com uma cueca com listras vermelhas e negras.

Por sua vez, Zózimo viu que Farid usava uma camisa do Flamengo e fez um último desejo: pediu para saber o resultado do jogo antes de morrer. Farid respondeu o placar, explicou como foi o gol e acabou narrando os principais lances da partida.

A cada jogada que ia escutando, Zózimo dava sinceros suspiros e lamentava ter perdido o jogo.

Os dois acabaram bebendo uma caixa de cerveja na cozinha e acertaram de ir juntos ao próximo jogo.

A única que não ficou feliz foi Isabela, que já sonhava morrer numa cena de sangue e ciúme, e virar manchete de jornal. 


A série começou com os Amores Possíveis 1-10, no NÃO 55.

Prosseguiu com os Amores Possíveis 11-20 no NÃO 59.

E teve ainda Mais 10 Amores Possíveis (21-30) no NÃO 60.

E continua no próximo número,

que o Torero já adiantou o serviço até o fim do ano.