Será o Fim do Rock?
por Fernanda Médici e Cristiano Bastos
 
 
Os artistas que fazem música pop em Porto Alegre estão órfãos de gravadoras. A indústria fonográfica, que deveria promover este gênero na capital, é praticamente ausente. Muitos podem ser os motivos. Um dos mais prováveis é o custo de gravação de um disco. Outro, a linguagem utilizada pelos grupos que apostam neste estilo na cidade. Estes, em conseqüência de diferenças culturais em relação à outros estados da federação, não conseguem atingir o gosto do público do resto do país.
 
Alguém com boa memória poderia advertir: "mas e o fenômeno ocorrido em meados dos anos oitenta, quando houve o chamado boom do rock nacional, em que bandas gaúchas, a exemplo de Nenhum de Nós, TNT, Garotos da Rua, etc.,  foram agraciadas com todas os incentivos do sucesso e do mainstream, tais como publicidade, músicas em novelas, consideráveis vendagens e respaldo do público em praticamente todo o Brasil?"
 
Pois bem, hoje são outros tempos, e também outro é o gosto popular. É só ouvir um pouco de rádio para constatar que, dos remanescentes daqueles tempos, os poucos que ainda se mantêm nas paradas são os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Biquíni Cavadão, todos provenientes do mesmo momento. Uma prova disso é o que houve com os Engenheiros do Hawai, por exemplo, ex-campeões de vendas, com um dos maiores fã-clubes do País, enfrentando atualmente dificuldades de emplacar até no Rio Grande do Sul, mesmo apelando para o regionalismo em suas letras.

Segundo orçamento da Trama, gravadora de médio porte, a concretização de um disco, e aí se incluem todas as etapas de lançamento, como promoção e distribuição, gira em torno de 50.000 reais. Deste montante, 10% é destinado para marketing, 30% para  distribuição, 8,4% vão para os direitos autorais e 10% para direitos artísticos. O restante vai para os custos administrativos, impostos, estoques e outros gastos. Para ser considerado um êxito de vendas, um projeto desta dimensão necessita vender, no mínimo, 20.000 cópias. Em se tratando de discos lançados por grandes gravadoras, esses números multiplicam-se por 2 ou 3.

Diante deste complicado panorama, entra a importância das produções e selos independentes. Um exemplo deste trabalho alternativo foi a Primeira Mostra de CDs Independentes de Porto Alegre, que já está na sua terceira edição. O evento, organizado pelos músicos gaúchos Flora Almeida, Nanci Araújo e Márcio Céli, foi uma iniciativa que buscou agremiar todos os artistas que gravaram discos sem o apoio de uma gravadora. Conforme  Flora Almeida, "este é um meio pelo qual os artistas de Porto Alegre podem mostrar os seus trabalhos e vender discos a um preço em conta para o público. Na feira, todos os discos são vendidos por R$ 10 e o retorno é todo do próprio autor".

A Mostra de CDs ganhou o Troféu Açorianos deste ano, pela importância desempenhada no cenário cultural da cidade. A primeira edição do projeto, em dezembro do ano passado, agremiou 42 artistas e vendeu 700 discos. Nesta edição, o número de inscritos  saltou para 80 pessoas e as vendas ultrapasaram a marca dos 1000 CDs. Estes dados confirmam a  importância de um evento deste tipo, bem como um viés para os grupos que não contam com meios para lançar seus trabalhos.

Mesmo com a difícil conjuntura econômica, alguns músicos acreditam que a música pop na capital ainda é viável, mesmo em termos de lançamento a nível nacional. De acordo com o guitarrista da banda De Falla, Marcelo Fornazzier, "a indústria fonográfica atuante em Porto Alegre dá espaço para as bandas. É só ver o exemplo do grupo de rockabilly Acústicos e Valvulados, que estão com um disco pronto para sair pelo selo Antídoto, da gravadora ACIT. Há também o caso da Comunidade Nin Jitsu e do Ultramen, que assinaram com o selo carioca Rock It! de Dado Villa Lobos, ex-guitarrista da Legião Urbana. Gravar um disco e distribuí-lo da forma adequada em Porto Alegre não é como em São Paulo, onde já existe uma indústria muito mais concretizada do que aqui", afirma.

O baixista do grupo de surf music Os Argonautas, Régis Sam, compartilha da mesma opinião de  Fornazzier. Os Argonautas estão prontos para lançar o seu primeiro disco, de forma independente, pelo selo Gens, da loja Magazine Records. Para Régis, "se uma gravadora acreditar no trabalho de um artista, seja lá qual for o gênero, é bem provável que ele seja lançado no mercado". O instrumentista ainda afirma que a distribuição de discos funciona, e que essa não é a maior dificuldade.

Outro ponto muito delicado diz respeito à relação contratual entre artistas e gravadoras, no que tange ao repasse de lucros e satisfação mútua. O cantor e multi-instrumentista Júpiter Maçã (Flávio Basso, ex-Cascaveletes), lançou o seu primeiro trabalho, A Sétima Efervescência, pelo selo Antídoto. Júpiter rompeu um contrato que previa a elaboração de dois discos com a Antídoto, e o seu segundo CD, ainda sem nome e previsão de lançamento, não tem gravadora. De acordo com  o músico, "dificilmente são repassados 100% dos lucros de um disco. Chega-se a um ponto em que o artista perde o controle sobre o número de cópias vendidas,  então levanta-se a teoria de que os números não são verdadeiros. É muito fácil perder o controle", denuncia.

Mais radical ainda é a opinião do ex-vocalista dos Replicantes, banda aclamada como uma das precursoras do punk rock nacional, Wander Wildner. Ele acredita no princípio básico do punk: faça você mesmo. Para Wander, o músico não pode depender de ninguém, tem que trabalhar na produção, marketing e distribuição do seu disco. "Os músicos de Porto Alegre são muito mal acostumados, reclamam de tudo enquanto deveriam estar trabalhando, lutando. Essa conversa de que não existe mercado é uma mentira. Dá para ganhar dinheiro com a música aqui em Porto Alegre, é só ser músico de verdade", instiga. Trabalhando por si próprio, Wander já lançou e relançou o seu primeiro disco solo, primeiro pelo selo Fora da Lei, que vendeu 1000 cópias, posteriormente pelo Tinitus, um selo um pouco maior, onde já ultrapassou a marca dos mil discos. O próximo CD do cantor, em processo de gravação, será lançado pela gravadora Trama.

Alguns artistas se mostram decepcionados com a indústria que lança discos em Porto Alegre. O baterista da banda Graforréia Xilarmônica, há mais de 10 anos presente no cenário pop sulista, Alexandre Ograndi, se refere à indústria fonográfica como uma piada, uma entidade completamente ausente. Alexandre cita o exemplo da ACIT, que é uma grande gravadora, porém voltada substancialmente para a música nativista, e lembra uma recente pesquisa que apontou o grupo Tchê Garotos, de música regionalista, como o Top of Mind da  juventude gaúcha. "O segundo disco da Graforréia Xilarmônica, Chapinhas de Ouro, foi gravado  independentemente, e lançado pelo selo ZOOM Records. Atualmente, o que ocorre é a chamada democratização da música, ou seja, o artista grava e lança sozinho. Resta o problema da divulgação e distribuição, que são fundamentais." O músico que se preza não precisa depender de 200.000 cópias para ser considerado um profissional. No caso do Chapinhas de Ouro, que já vendeu 2.000 cópias, o dinheiro utilizado para a prensagem saiu do bolso dos próprios integrantes da banda. Com a nova edição, prevista para breve, irá acontecer o mesmo, com a vantagem de contar com o auxílio financeiro das últimas vendas.

O rap e o hip-hop, duas das ramificações da música pop em plena ascensão, igualmente padecem do mesmo impasse que as demais manifestações musicais. Estes dois gêneros têm no Brasil o exemplo de êxito do grupo paulista Racionais MCS, que já vendeu mais de 500.000 cópias de seu disco de estréia, Diário de um Detento, em todo o Brasil. O artista de rap autodenominado Piá não pensa que em Porto Alegre o estilo vai bem como em São Paulo. De acordo com o rapper, "a indústria fonográfica na cidade está horrível tanto para o rap como para o Hip-Hop. O  dólar subiu muito, e os artistas dependem de discos importados para se atualizarem." Semelhante é o caso dos equipamentos e dos estúdios, que praticamente dobraram o preço das horas de gravação. De qualquer forma, a perspectiva para o segundo semestre de 99, com o equilíbrio da economia, é que "melhore o incentivo para os músicos que estão surgindo, de todos os estilos", prevê.

Parecida é a visão do iniciante no hip-hop, Lao Cabrera. Ele é um dos vocalistas da recém criada Groove James, por enquanto sem perspectivas de gravar um disco. Ainda que sem previsão para entrar em estúdio, Lao tem uma opinião formada sobre o assunto. "O mercado que lança discos das bandas portoalegrenses é quase inexistente. Existe o Piá, que lançou seu CD de maneira independente. A cidade está numa situação de 'escanteio' em relação às gravadoras, tanto no caso dos ritmos de rua quanto dos outros estilos. No nordeste, por exemplo, dificilmente as pessoas sabem das bandas daqui, ao passo que aqui a música nordestina é bem conhecida. Entretanto, comparado a cinco atrás, o respaldo das gravadoras hoje é muito melhor, vide a banda Da Guedes e o Piá, que estão para lançar seus discos com distribuição nacional."

O blues, estilo musical amplamente disseminado em Porto Alegre, também não encontra retorno das gravadoras. Em se tratando de blues instrumental, o caso é ainda mais grave. Para o guitarrista Rodrigo Terra, da banda homônima, que faz instrumental calcado no fusion entre jazz e blues, as grandes gravadoras são muito restritas, considerando que as vendagens deste estilo são muito pequenas em comparação a outros tipos de música mais populares no Brasil. Rodrigo conta que já investiu cerca de R$ 1.000 na gravação de um CD demo com três músicas, que pretende usar como base para seu disco, que deve ser lançado em agosto ou setembro deste ano e que vai se chamar Glimpses. A produção independente é um dos únicos caminhos viáveis para quem ousa se aventurar pela música instrumental na terra do pagode e do axé music. A minha idéia é gravar um disco, levá-lo para uma distribuidora e fazer um contrato de distribuição, que consiste em bancar toda a produção, incluindo gravação e demais custos, e depois terceirizar a entrega dele nas lojas. Mesmo com toda essa conjuntura, se constata que está cada vez mais acessível o custo de uma prensagem, que hoje varia de R$ 2.000 a 2.500 no caso de 1.000 cópias", explica.

Uma outra alternativa para lançar um disco, é recorrer ao Fumproarte, da Secretaria Municipal de Cultura, que financia até 70% do custo total do projeto. O compositor Juli Manzi teve boa parte do seu primeiro álbum, 340 exigências de camarim, pago pelo projeto. Toda a divulgação do trabalho, a exemplo de cartazes para os shows e mídia na televisão, também foi custeado pelo incentivo. O jazzman Júlio Herlein é outro que foi selecionado pela SMC, e terá o CD Júlio Herlein Quarteto em breve nas lojas. Algumas bandas, sem possibilidade de lançar um disco, mesmo que de forma independente, alegam que o projeto se restringe apenas aos músicos que recorrem a uma temática voltada para a cidade de Porto Alegre.

EGISTO DAL SANTO
Ex-produtor artístico do selo Antídoto (gravadora ACIT)
Produtor artístico do selo Purnada Y Pranada

Egisto Dal Santo é guitarrista e atualmente toca nas bandas A Cretinice me atray e Space Qüeras e ainda acompanha o músico Bbeco em seus shows. Na lista de suas produções na Antídoto, estão os primeiros CDs de Júpiter Maçã e Tequila Baby. Pelo selo independente Purnada Y Pranada, constam 20 discos, entre eles, Colarinhos Caóticos, Eléktra, Benedict e A Cretrinice me atray. Egisto já ganhou dois troféus Açorianos, um em 94 como melhor letrista e o outro neste ano, pela agitação cultural promovida na cidade. Foi ainda o fundador do Segunda Sem Ley, um projeto de shows desenvolvido nos anos 80 que contava com a participação de bandas que estavam surgindo na cena sulista de então.

Na opinião do produtor, o mercado ainda é muito restrito. " O disco da Antídoto que mais vendeu até hoje foi o Papas da Língua, com uma tiragem de  20.000 cópias, o que é muito pouco se a gente pensar que Porto Alegre tem uma população de 2 milhões de pessoas. O pior de tudo é que há muitos anos não se vendia tanto."

Sobre os selos independentes, Egisto acredita que os únicos importantes são o Vórtex, o Kracatoa Records e o Purnada y Pranada. Para ele, um selo só existe depois de produzir mais de um disco, o que não acontece com a grande maioria. "Cada disco é um selo novo, a maior parte não tem registro. Eu tenho a firma registrada mas tem muita burocracia, não vale a pena, só de IPI são 16%".

Outro ponto problemático, na opinião de Egisto, são as críticas de especialistas. "A crítica é sempre diferente do público, a crítica deveria mostrar para o público qual é o caminho, mas não é isso que ela faz. A crítica perdeu muito da sua credibilidade. Não adianta os intelectuais conhecerem e aclamarem o artista se ele não vende. Um exemplo é o disco do Júpiter, foi aclamado pela crítica nacional e não passou das 4 mil cópias vendidas", indigna-se.

Um dos problemas, na opinião dele, é a mentalidade do gaúcho. Para ele, o gaúcho é muito separatista e amador. "Se grava um disco já pensa que está famoso e vira a cara para os outros, se fecha um contrato com uma gravadora, então esquece, ele não fala mais com os outros músicos."

Outro problema, na sua opinião, diz respeito às lojas. "Você deixa o seu disco, 50 mil cópias em consignação na Multisom, aí você vai até lá, procura muito, até cansar, e acaba encontrando o disco lá nas coletâneas de rock nacional, perdido. Os vendedores também não sabem vender. Não tem nenhuma loja em POA que tenha uma seção de rock gaúcho, e isso tinha que existir. Só a Toca do Disco tem esta seção.
As gravadoras não tem parâmetro nenhum para escolher os artistas a ser lançados, não há diretor artístico no Brasil".

Rádios - " A Ipanema dá espaço, só que dá muito espaço! Produções caseiras tocam na Ipanema, o que reduz a qualidade. O próprio Zé do Bêlo lançou um disco totalmente caseiro e toca na Ipanema. A mentalidade provinciana também chega nas rádios. Se a Kátia Sumam não gosta de você como pessoa, pode ter certeza que ela não toca o seu disco, em compensação, se você é amigo dela e faz um som horrorosa, pode escrever que vai ter lugar para você lá." E arremata: "Os músicos em Porto Alegre sofrem com a mentalidade provinciana também. Só gostam das bandas dos amigos".
 
CARLOS EDUARDO MIRANDA
(Diretor Artístico Trama, jornalista e produtor)

Atualmente, Carlos Eduardo Miranda é diretor artístico do selo Matraca, pertencente à gravadora Trama Music, é também produtor  musical de diversos artistas e discos. Antes da Trama, Miranda foi diretor artístico do selo Banguela Records, o qual lançou, nacionalmente, nomes como Graforréia Xilarmônica, Mundo Livre S/A e Raimundos. Foi também diretor artístico do selo Excelente Discos, responsável pelos trabalhos das bandas Maria do Relento e Virgulóides.

Miranda acredita que o mercado fonográfico é gerado pela própria movimentação dos artistas, e que estes devem contar com a simpatia do público. Se o artista seguir este pressuposto, terá por conseqüência uma grande fatia do mercado. Segundo o diretor, "Porto Alegre é uma cidade privilegiada em relação à rádio. Tem a emissora  mais livre do país, que é a Ipanema. A cidade conta ainda com boas e variadas lojas de discos, muitas delas vendendo produções independentes e até demo-tapes. A capital gaúcha possui bons estúdios com preços bastante razoáveis", declara. Para ele, o problema são os artistas locais que não aproveitam plenamente os recursos que a cidade oferece e ainda não dominam perfeitamente as relações com o centro do país.
 
Miranda acredita que os músicos gaúchos vivem uma realidade própria e criam uma aura de auto-exclusão. O produtor fala que a sua ida para São Paulo foi a única saída que ele encontrou para continuar trabalhando com a música pop. "A insatisfação com Porto Alegre era clara, não tinha mais para onde andar, estava em espiral descendente. Em São Paulo, depois de acompanhar várias bandas que se lançavam independentes, constatei que a independência das multinacionais era o caminho". Sobre a dificuldade de lançar um artista novo no mercado, Miranda diz que o processo é realmente  árduo mas que se o artista for bom, tem muita chances de emplacar. Sobre os selos locais, ele acredita que, pelo simples fato de a gravadora ACIT investir no Antídoto, ela já está fazendo alguma coisa em prol da música pop.
 
Sobre o futuro do rock, Miranda é enfático, " Rock não é passado, mas é um gênero estrangeiro, portanto, fazer rock no terceiro mundo é uma aventura, é investimento de alto risco. Mesmo assim, desde o estouro do rock nacional nos anos 80, as gravadoras tem apostado, mesmo que modestamente, em artistas deste segmento. Há quem acredite que gêneros e modas são impingidos ao público pelas gravadoras, como num complô. Discordo dessas opiniões paranóicas. E quanto ao rock morrer, é puro papo-furado", encerra.
 
 
Fernanda Médici e Cristiano Bastos


A melhor história do rock gaúcho está em Senhor F, http://www.senhorf.com.br/rgs.htm. Confira e depois volte para o...