12 VOLTAS NO RELÓGIO
ou A ARTE DE ATRAVESSAR AS RUAS

Por Lupa Won Tolla

          O que pesa mais dentro de nós? O osso da bacia, a responsabilidade ou a feijoada daquele dia? Bobagens de uma cabeça vazia. É segunda e já é dia. A madrugada deixou seu gosto pastoso na boca. Um tapa na testa pela hora perdida. Assim é a vida. O espelho, desgraçado, ainda está ali. Ele se prevalece da superstição contida no inconsciente coletivo. Se eu o arrebentasse teria mais sete anos disso? Não acredito, mas não duvido. Sigo o piso. Pé por pé essa é a regra dos bípedes, mesmo que sua coluna se recuse a ficar ereta numa manhã como esta. O café. Penso na possibilidade de fazer umas carreirinhas de cafeína pra aguentar o tranco. A idiotice se dissolve com a água quente.

          O caos lá fora te chama e você descobre que quando corpo e mente não se entendem, não adianta se sentar e esperar uma conclusão. Decisão urgente. O cordão da calçada e os carros passando. Olhar para um lado, para o outro, depois pra frente. Sempre nessa ordem para não perder os dentes. Um esbarrão aqui, outro ali. "Corte de cabelôo um e noventa e nove, vai aí?". Não vou, não quero. Na verdade não quero ir a lugar nenhum. Quer dizer, querer eu quero, mas não sei o caminho. Essa cidade é um labirinto, um minotauro por dia e você acaba sendo mais um corno no final do mês.

          E se surgisse tão bela à minha espera uma ponta de desejo na passarela, entre a avenida e a rótula, será que eu me desviaria dela? E penso, e peso, e sustento que o maior erro do brasileiro é acreditar em novelas. A vida que escorre na tela não cabe nas veias, jorra em cena e mancha as lapelas de mocinhos e suas cinderelas. Ah! Vida cadela... Me morde, anda! Senão me atiro da janela... Mas e se ela topasse um chopp no pós-guerra, depois desta batalha entre o que seria e o que já era? É melhor me apressar, já, já é terça. A noite me espeta e o remédio é o melhor sorriso, o dela. Sugiro um suspiro, mas um corte seco a olho nu despe de imediato qualquer tipo de contato. Preciso de um adeus, minha donzela, para enfrentar mais uma lua dentro do dragão. Um palavrão vem com um sopro de fogo, fujo cavalgando liso, leso e louco com um sorriso entre as mãos. Êeh, vida banguela... Troveja o sono no céu do meu quarto. Lençóis devastados. Deserto, solidão. De certo surge no teto o escudo da Warner Bros. em desenho animado me dizendo "Por hoje é só, temporal...”, dublado.