NÃO-ODARA
por Carlos Gerbase
 
Alegria. Felicidade. Prazer. Não acredito que essas coisas sejam incompatíveis com a arte. A alegria é, no final das contas, o objetivo da arte. Fazer as pessoas um pouco mais felizes, quer coisa mais nobre do que isso? Mas é preciso reconhecer, como disse Croce (e seu discípulo Tigrão), que "um véu de tristeza parece envolver a beleza, e no entanto não é um véu, e sim a própria face da beleza". Quer dizer, embora a alegria seja o objetivo, a gênese da arte quase sempre é a melancolia, a tristeza, a constatação de que nossas vidas estão irremediavelmente erradas, a certeza de que fazemos escolhas estúpidas, o tempo todo, e pagamos por isso. E é caro. Este Não 65, singelo e cheio de imperfeições, é dedicado às pessoas que ainda conseguem ser felizes em meio ao caos. Enfim, à grande tribo Odara, da qual não faço parte (mas, sempre que convidado, faço uma visitinha: as festas costumam ser ótimas).
 
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O NÃO-ODARA era pra ser uma seção permanente do NÃO, mas aí percebi que estaríamos infringindo uma lei imexível desta publicação: o editor manda. Assim, em vez de uma seção, temos esta edição, em que eu mando, e, portanto, posso ser odara sem dar explicações pra ninguém.
 
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Nenhuma contribuição foi recusada. Se alguém mandou alguma coisa e ela não está aqui, deve-se a extravio, incompetência do editor ou falha operacional. Extravios, incompetências editoriais e falhas operacionais são acontecimentos muito comuns no universo odara. A maior falha operacional aconteceu com os dois gifs animados (aliás, ótimos) enviados pela Carla Barth. Primeiro, não consegui transportá-los para uma página em HTML, depois meu HD dançou, e eu fiquei sem cópia nenhuma. E depois não consegui achar o mail dela pra tentar consertar minhas burradas. Então: ALÔ, CARLINHA, MANDA DE NOVO TEUS GIFS! Eles entram, com o destaque que merecem, assim que chegarem (acho que já sei como colocá-los).
 
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O Jorge já vai explicar a origem da palavra "Odara", que obviamente é africana, mais precisamente ioneba (com certeza é de um lugar quente, em que as mulheres andam semi-nuas e os homens só pensam em sexo). Não me interessa a origem nem o sentido da palavra, só sei que foi Caetano Veloso que a popularizou, e que muito ouvi aquele disco, eu a minha irmã Andréa, que já tinha feito a cabeça, enquanto eu careteava com meus amigos anchietanos. Tenho saudades deles, gostava daqueles jogos de bola, mesmo que fôssemos todos do segundo time.
 
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Nosso segundo time era divertido. Até o Moriguchi jogava no gol. Nosso brioso segundo time era odara. Não tínhamos vergonha de ter na sala pelo menos onze caras que jogavam melhor do que a gente (e portanto eram do primeiro time). Muito pelo contrário: eu dava cola para muitos deles. Principalmente pro Caleffi, que jogava muita bola, mas era péssimo em matemática, física e qualquer coisa que exigisse uma equação de segundo grau. Eu tinha prazer jogando naquele segundo time, com meus amigos tão pernas de pau quanto eu. Esse é o verdadeiro sentido da palavra odara. Seja feliz fazendo o melhor possível, mesmo que o seu time seja o segundo time.
 
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Lembro de um gol que fiz, de cabeça, na cobrança de um escanteio, provavelmente batido pelo Bolognesi. Eu corri na direção da bola, que vinha forte e alta, e pulei alto, acertando em cheio na testa, enquanto torneava levemente a cabeça, procurando o canto oposto do goleiro. A bola entrou no ângulo. Ninguém acreditou que eu tinha feito aquele gol. Nem eu. Quase não vibrei por fora. Tem coisas que é melhor guardar para um momento mais importante, como esta edição do Não, vinte e três anos depois. Aquele golaço de segundo time foi odara. Muito odara. E duvido que o Caetano tenha feito um gol tão odara assim.