All of me
por Clara Averbuck

 

Mastiguei vidro a noite toda, suei sangue por todos os poros, pensando em ti. Olhos pesando, músculos mal me obedecendo, mãos descendo pela barriga, procurando um lugar quentinho no meu corpo gelado.

Take all of me.

Tumtum

Tumtum

Tumtum

Frio na barriga. Frio que vira calor e volta a ser frio e esquenta e gela. Conheço isso, ah, se conheço.

Não era pra ter acontecido, eu estava bem feliz sozinha. Então você se materializou, surgiu do nada, e estragou tudo.

Medo.

Tumtum

Tumtum

Tumtum

Leva. Pode levar. Já pegou a melhor parte, agora leva o resto.

Take all of me.

Deito-me, atônita, sozinha, encarando o teto.

Isso não era pra ter acontecido. Tudo de novo. Tudo de mim.

Tumtum

Tumtum

Tumtum.

Take all of me.

Faróis correm através das venezianas no meu teto cor-de-rosa. Vertigens. Espera. Odeio ficar em standby. Merda, tudo de novo. Tudo de mim. De novo vou me consumir. Secar. Ser sugada e cuspida de volta. Pela milésima vez, ficarei com as entranhas à mostra, pulsando, nuas, esperando por serem arrancadas e pisoteadas, esperando para que me sujem a alma de porra. Ensopada por meu próprio sangue, que escorre como um rio, formando um lago aos teus pés, arranho meu rosto, meu peito, em prantos. Tudo de mim. Leva tudo de mim.

Não quero te ver ao meu lado a me observar, segurando minha mão, enquanto fumo o último cigarro. Só quero que leve tudo de mim. Leva tudo, devagar, parte por parte. Leva tudo, nada mais me pertence. Tudo de mim.

Não quero saber o que você vai fazer com meus pedaços, para onde vai levá-los; só quero que sejam teus. All of me. All yours. Leva, e se não tiver onde guardar, joga fora, vísceras imprestáveis, sentimentos recém nascidos brotando no lixo, porque é assim mesmo, sentimentos são entulhos, vão se amontoando e crescendo e se enroscando em tudo até que não sobra espaço pra nada, e eles vão consumindo o ar que era pra ser dos pulmões e te sufocando. Mas esses, esses que você está levando, ainda são dos pequenininhos, frágeis, coloca na incubadora se quiser sufocar. Sim, porque eu sei que você quer. Eu te ouço gritar, tua pele obstruída por algo que não te deixa evaporar, clamando por algo além da carne.

Quer? Leva tudo de mim.

All of me.

Não, não quero que você leve meu coração. Isso seria pouco, seria clichê, seria quase nada perto do que eu quero te dar. Leva todo o sangue que preenche meu corpo, quero que você beba da minha essência até que eu desfaleça. Quero que você leve todo o ar dos meus pulmões até que os teus estejam impregnados de mim. Quero que você leve todas as lágrimas dos meus olhos, até que esteja preenchido com toda a minha dor. Quero que teus lábios toquem os meus, e que junto com meus beijos, leve minha alma, que há tempos deveria estar contigo.

Take all of me.
 
 
Clarah Averbuck
jazzie@innocent.com
 

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