O gurizinho que não virou conto

de Taís Campelo

Tornei-me frágil, essa é a verdade. Confesso-me frágil e insegura diante de ti. Quem diria, logo eu, a menininha indefesa que confessaste temer, talvez por acreditar no disfarce de mulher inabalável que vestira, aquele que me fez parecer dona do próprio destino, enquanto que, bem no fundo, eu suplicava por braços zelosos, pela tua segurança, por abrigo. Não vês que essa é a minha carapaça, minha forma de proteção contra o sentimentalismo barato que tanto me fez sofrer num passado nem tão remoto assim? Tantas lágrimas derramadas trouxeram calos a minha alma/conduta/aura/caráter, calos que acreditei que não irias provocar. Fui aos poucos te revelando nuances da minha personalidade, perdendo o medo de brindar-te com a autenticidade de meus sentimentos, buscando em ti algo que compensasse a fragilidade que adquiri nesses anos. Depois de tanto levar na cabeça fiquei desse modo, uma idiota racional que nunca admitirá apaixonar-se após um ou dois encontros.

Estúpida, eu sei, mas já estavas distante quando percebi o que estava se passando, quando percebi que eu, finalmente, começara a concordar contigo, que eu queria ver-me passional também, só que, quando me dei por conta, já estavas longe de minhas palavras beijos olhares unhas voz pele, longe do meu sarcasmo, da minha deprê, minha história, ... fora do meu alcance, e assim te enxergo agora, mostrando-te a mim indiferente, largando outra baforada no momento que meus olhos são tomados por um brilho triste, uma vontade-quase-necessidade de te pegar no colo e de dizer "esquece tudo que eu falei, foi impulso, foi mágoa", ou qualquer outra frase exprimindo um sentimento incerto e minhas verdades absolutas, porém nessas horas sempre me calo, bem sabes.

E em pensar que a bofetada final havia sido deferia em uma noite estranha, uma noite entre aspas, mas pelo menos descobri que não te amava, nem estava apaixonada ou coisa parecida. Sim, chorei alguns minutos, o necessário para me desfazer do choque e da dor momentânea, só que a mente às vezes nos trai e enquanto eu faço um esforço imensurável para apagar qualquer vestígio teu da minha memória e da minha vida, te deletar por completo, do nada surges nas minhas lembranças. Nem imaginavas que ficava horas espiando teus olhinhos fechados, assim, tão serenos enquanto eu te beijava. Como na tua foto, quer dizer, nossa foto, que não tive coragem de rasgar, juntos para a posteridade, e tão mortos, tão distantes. Agora somos apenas eu e apenas tu,dois corpos e duas mentes isoladas e sem qualquer interelação.

As coisas só nossas não existem mais porque nós não existimos mais. É, isso mesmo, nós não existimos mais. Nós nunca existimos. Nunca. Nem nós nem essa egotrip bagaceira, muito menos os sentimentos mimetizados que eu reluto em negar. Nada mesmo.