UMA HISTÓRIA DE DOMINAÇÃO: OS 500 ANOS DA CONQUISTA DO BRASIL

de Renato Barbieri**

" Não me convidaram pra esta festa pobre

Que os homens armaram pra me convencer

A pagar sem ver toda esta droga

Que já vem malhada antes de eu nascer." (Cazuza)

Contagem regressiva... faltam poucos meses para o dia 22 de abril do ano 2000. É a festa dos 500 Anos do "Descobrimento" do Brasil. As comemorações acontecerão de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Os relógios nas principais cidades do país marcam os dias que faltam. A grande imprensa, sob o comando da Rede Globo fará um fantástico réveillon. Cascatas de fogos cairão do terraço do Hotel Meridién, em Copacabana e a praia inteira será uma festa contagiante. Multidões estarão na orla brindando e bebendo a alegria de "um país que vai pra frente, e de uma gente amiga e tão contente". Para os que não puderem pagar para estar na praia, o mais emocionante será assistir, na Globo, a retrospectiva dos 500 anos de História do Brasil. Veremos imagens bem produzidas de um Brasil fictício que nos é estranho, sem miséria, sem analfabetismo, sem fome e com emprego abundante. Negros, índios e brancos, as raças miscigenadas, unidas numa corrente de felicidade. Já vimos alguma coisa parecida nos livros de História durante a Ditadura Militar. Nada de tristeza, nem de choro. O que haverá é festa e alegria para o povo...

Alguns poucos estarão se perguntando: Mas o que há por detrás de tanta comemoração dos "500 Anos do Descobrimento do Brasil"?

A grande imprensa não dirá que há uma tentativa de esconder o que chamamos de luta de classes. Essa luta inicia no Brasil com a conquista portuguesa, seguida de dominação dos indígenas e a colonização de uma terra que já era habitada. Os povos nativos foram sistematicamente escravizados e devido a sua resistência, fuga e dizimação (índios "preguiçosos"), foram trazidos da África os trabalhadores negros. Por serem escravos, fugiam (negros "fujões") e organizavam a resistência ao escravismo: os quilombos. Os quilombos negros e as confederações indígenas foram as formas de resistência das populações submetidas aos senhores brancos, durante séculos de História do Brasil.

Certamente os que têm motivos para comemorar foram os "vencedores" que puderam registrar nas páginas da História as suas conquistas e vitórias. Os mesmos que desde 1.500 vêm conquistando, dominando, colonizando, matando e excluindo a maioria da população do Brasil. Os que podem comemorar são aqueles que se apossaram do "paraíso" descrito por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. Aqueles que estão doando o patrimônio público brasileiro às empresas multinacionais através das privatizações (siderurgia, telecomunicações, energia...). Patrimônio construído com os impostos pagos pelo povo. Os que comemoram são as elites dominantes chefiadas por Antônio Carlos Magalhães e Roberto Marinho.

Já para a maioria dos trabalhadores e desempregados, os "vencidos", restou o inferno dos navios negreiros e das senzalas e a dor do "holocausto" dos milhões de indígenas mortos nestes cinco séculos.

A Globo nada dirá sobre a Ordem e o Progresso. Ordem para as raças miscigenadas de índios, negros e brancos proletários. Progresso para a elite dominante proprietária dos meios de produção e de comunicação. Ordem para os trabalhadores e desempregados. Progresso para o mercado financeiro e para as bolsas de valores. Ordem para os que necessitam da terra para plantar e sobreviver. Progresso ao latifúndio das capitanias hereditárias, de Sarney e de Antônio Carlos Magalhães. Ordem para o Trabalho. Progresso para o Capital.

Eles esconderão que o Brasil não é o centro do planeta. O centro está em Wall Street, em Nova Iorque. O Brasil apenas faz parte de um bloco de países excluídos chamados Terceiro Mundo. Este bloco está condenado ao subdesenvolvimento, pois assim desejam os Estados Unidos, a Europa e o Japão, os grandes centros do "núcleo capitalista" que dominam o planeta neste final de milênio e nos fazem crer que o Brasil está em "vias de desenvolvimento". Essa mentira equivale a dizer para um pobre e desempregado que ele está em "vias de enriquecimento". Isso o fará sentir-se melhor, talvez. Porém, nada mudará em sua real situação.

Não falarão que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, empunha a bandeira de resistência do povo brasileiro na luta pela terra, sendo reprimido pela polícia, enquanto o Ministério da Agricultura negocia dívidas bilionárias com os latifundiários. Que o movimento sindical resiste bravamente ao desmonte da economia e ao desemprego promovido pelo neoliberalismo e sua redução de gastos sociais, enquanto Fernando Henrique Cardoso socorre com 20 bilhões de dólares os bancos privados. Que os partidos de esquerda brasileiros enfrentam as coligações da direita neoliberal que vende um pedaço do Brasil a cada privatização para concentrar a riqueza nas mãos de um grupo cada vez mais reduzido, aumentando a pobreza dos brasileiros.

Nada dirão da América Latina que Simon Bolívar, José Martí e Sandino lutaram para libertar, nem dos nossos irmãos que resistem contra a mesma dominação: As Forças Revolucionárias da Colômbia – FARC e o Exército Zapatista de Libertação Nacional - EZLN, em Chiapas, no México. Todos unidos por uma mesma causa: a libertação do jugo Imperialista e a conquista da verdadeira independência política, econômica, social e cultural da América Latina.

Não mencionarão o nome dos brasileiros: Zumbi dos Palmares, João Cândido, Marçal de Sousa Tupã´i, Ângelo Cretã, Santo Dias, Vladimir Herzog, Wilson Pinheiro, Chico Mendes e tantos outros que tombaram na defesa de nossa gente e de um Brasil livre. No entanto tentarão nos empurrar "goela abaixo" os seus heróis generais, caudilhos e coronéis.

Nós, os excluídos, seremos convidados para a festa, porém não passaremos da porta. Ficaremos do lado de fora e depois pagaremos mais uma vez o banquete. Cinco séculos de festas, cinco séculos pagando a conta.