O relógio destruído
por Luis Augusto Fischer 05/05/2000 - 02:15


Legal o texto da Joana Brasil - e que belo nome para escrever sobre o tema - contestando o modo como a RBS cobriu o episódio da derrubada do relógio.

Mas, permitido o palpite, o caso é que:

1. se trata de vandalismo mesmo. Derrubar coisas públicas é isso, e não outra coisa.

2. aquela porcaria de relógio enganador (a grande sacação do gênio do dezáin foi inverter a ponta da seta; então tá) lá estava depois de autorização da Prefeitura de Porto Alegre, que até prova em contrário não é dirigida por imbecis ou desavisados. Logo, o relógio tinha o reconhecimento público oficial cabível e necessário.

3. sim, eu sei que a Globo tem um poder muito maior do que a gente calcula, e por isso de fato impôs a colocação dos relógios Brasil afora.

Mas isso não nos redime de nada. A Globo é, em parte, a nossa cara torta de país.

4. destruir um bem público, mesmo que seja aquele relógio, só tem cabimento, a meu juízo, quando os cabimentos estão postos por terra. E até prova em contrário o Brasil se rege por leis, canalhas e tal, mas leis, passadas em congresso eleito (com toda aquela gentalha e mais o hoje esquecido Pacote de Abril, que sacaneou mais uma vez a proporção da representação das regiões, etc. e tal). Pode ser legalismo exacerbado querer viver num país mais ou menos organizado? Acho que não, cá do meu canto de classe média confortável.

5. fazer aquela bobagem adolescente agressiva meio que replica, em ponto pequeno, a atitude esperável da juventude rebelde típica, linha Tarantino ou coisa que o valha. Isso quer dizer que fazer aquilo é mais ou menos esperável, desde o ponto de vista do poder, incluindo rede Globo e RBS e quem mais seja.

6. pro meu gosto, é falta de talento fazer aquela coisa pirotécnica. Não tinha nada melhor pra fazer contra o relógio? Não dava pra inventar alguma coisa menos óbvia? Pode ser que esta reclamação seja apenas coisa de quem está ficando velho e cada vez mais cético, mas pra mim foi ridículo e, pior ainda, foi bola nas costas. O governo que nós elegemos, o do Olívio, alguns com convicção como eu, não precisa de apoios assim. E também não precisava a tonteria de o Olívio ter dito que aquilo é uma manifestação como
qualquer outra, legítima e tal. Não é legítimo destruir patrimônio público edificado. Já pensou se a moda pega e uns carinhas resolvem detonar, digamos, o Viaduto da Marli, porque ele é inútil e foi feito por um prefeito e um governador da ditadura militar?
Isso aí. Saúde pra todos.
 

Luís Augusto Fischer
fischerl@uol.com.br
 

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