As gôndolas do Pedrinho
(ainda os 500 anos)
por Márcia Costa Dienstmann 02/05/2000 22:30


Graças a Deus (e ao tempo) acabou aquela bobagem de "faltam tantos dias para os 500 anos do descobrimento do Brasil." Lendo o texto da Joana Brasil, lembrei-me de umas reflexões de alcova, umas análises relacionadas ao circo montado pela Vênus Platinada. O episódio da depredação do relógio da Globo-RBS (criado pelo brasileiríssimo Hans Donner, oh, que portento!) mostra como é fácil se dar uma manchete conveniente, aquela que mais convém a uma empresa jornalística.

Manchete do Correio do Povo de 24 de abril de 2000: "Fracassa a festa dos 500 anos". Chamada de capa da Zero Hora do mesmo dia: "Vândalos destroem relógio dos 500 anos". Pois é, o maior jornal do Rio Grande do Sul (como contestar?) centralizou a discussão na queimada de um objeto, uma porcaria elevada à condição de símbolo mor do patriotismo brasileiro. Acusar a ZH de fetichista é uma acusação até carinhosa.

Agora, se fizermos um flashback a alguns meses, as lembranças serão de arrepiar. Querem ver? "Brasil: eu acredito em ti. Faltam poucos dias para os 500 anos". "Cavalo sabe o caminho de casa para a escola e leva e busca crianças. Voltamos em trinta segundos". Matteo empurra Giuliana violentamente e se arrepende. Zap.

Boa parte do público que acompanhava a Globo assiste agora ao programa de Sílvio Santos chamado Show do Milhão. Lá estão pessoas, em sua maioria, humildes. Brasileiros como nós, envolvidos no grande circo dos 500 anos. Pois bem, Sílvio Santos larga uma pergunta e dá quatro opções de resposta. E ainda pode-se pular ou pedir ajuda. Uns dos "ajudantes" são gloriosos estudantes universitários. Um brasileiro participante do Show foi perguntado uma noite sobre o dia do descobrimento do Brasil. Ele pediu ajuda. Pouco depois, uma brasileira achava que Pedro Álvares Cabral havia chegado ao Brasil em gôndolas. Morre o filho de Matteo e Giuliana. Uma professora secundária, vinda do planeta Lua, não respondeu que animal era necessário para a prática da equitação. E os universitários? Nunca têm certeza de nada! Acham que "a ciência do habitat" é ecossistema, sendo que a única opção que tinha "logia" era ecologia. Os mesmos universitários que ralaram um cidadão, todos afirmando que os órgãos reprodutores das plantas ficam localizados no caule. Melhor nem imaginar como desenvolveram esse genial raciocínio. Imagina um galho saltado do tronco... Deixa pra lá.

Brasileiros, de carpinteiros a universitários, que nos mostraram que não há muito o que se comemorar desde que Pedro Álvares Cabral chegou aqui em sua gôndola. E não perca a mais uma reprise de Pássaros Feridos, série produzida e dirigida pelos irmãos Lumière. Giuliana descobre pela 8a vez que ama Matteo.
 
Márcia Costa Dienstmann
maccaneca@hotmail.com

NÃO 70