Sobre a derrubada do relógio
por Joana Brasil 27/04/2000 14:25



Assistimos, no Tele Domingo, o modo como a empresa monopolista de comunicação abordou a derrubada do relógio dos 500 anos em Porto Alegre. A utilização de pessoas pobres para que cumprissem o papel da população indignada com o  "vandalismo" é lamentável, prática muito típica dessa empresa manipuladora e criadora de irrealidades. Quando a polícia militar da Bahia derrubou o monumento de resistência construído pelos índios, essa empresa não bradou que se tratava de uma atitude de vandalismo contra a manifestação cultural de uma comunidade. Quando os índios jogaram flechas nos relógios da Rede Globo, em outras localidades, a Zero Hora escreveu que os índios "descarregaram sua fúria sobre o relógio dos 500 anos .." (ZH, 24 de abril 2000, página 48).

Podemos ponderar que o "corpo mole" das lideranças de esquerda com relação a esses eventos oficialescos e essa comemoração, não dando, há vários meses, uma resposta organizada e forte, deixou campo aberto para qualquer impulso rebelde de manifestantes. Decisões como a de trancar o trânsito junto ao relógio, etc, não eram necessárias e confundem o teor do protesto (havia gente de todo tipo, de todas as linhas ideológicas, protestando, pelo que se pode ver nas atitudes que foram registradas em vídeo). No entanto, não se pode negar que queimar esse relógio é uma atitude legítima, um protesto muito claro e aceitável.

Mas que monumento é esse, forjado por uma empresa monopolista, criado por um designer estrangeiro, metido goela abaixo da população brasileira, sem qualquer vínculo com a História, com as lutas populares, com as culturas regionais, com a cultura do país? Mas será que é preciso aceitar a criação artificial e unilateral da realidade não só na "telinha quente" mas também nas ruas, nos nossos trajetos cotidianos, nos nossos eventos, nas nossas datas?

Vandalismo, afinal, o que é? Não será vandalismo a lavagem cerebral que a Globo/RBS realizam contra a cidadania? Não será vandalismo negar a História, tripudiar da memória de um povo? Mas por que essas enormes empresas não se deparam por um instante com a miséria absoluta, a concentração estúpida de rendas, os dolorosos desníveis sociais, a histórica e persistente evasão de nossas riquezas para o exterior, a depredação de nossas reservas ecológicas, a lacuna de um projeto nacional de desenvolvimento, a predatória especulação financeira,  e o assassinato diário do jornalismo nas "telas quentes" e nas páginas
absurdas de enganosos jornais?

Queimar um relógio da Rede Globo é tão democrático quanto foi derrubar o muro de Berlim, ou como queimar e depredar todos os vestígios do maoísmo, não é mesmo? Por que essas empresas de comunicação não abordam esses eventos com os mesmos pesos e medidas?
 

NÃO 70