As formigas exploradoras
por Daniel Peccini

A primeira coisa que eu vejo quando acordo é a parede branquinha. Desta vez um pretinho se movendo em direção ao teto, passando pelo quadro da caravela, chamou-me a atenção. Era uma formiga, (daquelas graúdas, que não mordem) passeando por alí. Ao ritmo matinal de um Domingo, lentamente ergui minha cabeça e fiquei apenas observando. Não havia açúcar.

Se a lei dos bichos prevalecer, em breve terei lagartixas comendo as formigas e assim por diante. Não quero um zoológico particular. Mas isso foi pura fantasia, coisas que só acontecem numa quase madrugada. O fato concreto é que a partir dalí eu começei uma das minhas maiores investigações científicas da minha vida.

O primeiro passo era descobrir o ponto de partida da tal forasteira. Aproveitei que era manhã cedinho e fui até a cozinha, o lugar onde eu costumava encontrá-las até este dia, para comer algo e começar minhas observações. Na noite anterior a preguiça de lavar a louça da janta fez com que as formigas pudessem aproveitar as migalhas de pão e criar aquela fila indiana sobre a mesa. Foi pura sorte.

Começei a observar outros cantos da casa e pude perceber que havia formigas por tudo. Não centenas delas, mas apenas uma caminhando perdida em cada lugar. Um sujeito mais afoito ou menos observador poderia chegar a conclusão que ela teria se perdido do bando, ou se for mais radical poderia pensar que ela resolveu isolar-se do mundo, fugindo da longínqua e gelada cozinha com seu piso de lajotas úmidas para o quarto quentinho e acolhedor. Não, não é nada disso. Não é uma versão "punk formiga", é apenas uma formiga exploradora. Explico.

As formigas exploradoras são raras. Nascem em média 5 milhões de formigas num raio de 1 km quadrado. Destas, apenas 50 são consideradas formigas exploradoras. Seu papel é muito importante, pois elas são orientadas a procurar comida em lugares longe do formigueiro. A formiga rainha é quem escolhe as mais aptas. Feito isto lá vai ela se aventurar pelo selvagem mundo longe de casa sem saber se irá encontrar algo, com o risco de morrer numa pisada de chinelo, lambida de cachorro ou uma lagartixa esfomeada.

Enquanto ela está lá, as formigas ficam esperando para que ela volte logo com novidades. Se não voltar é sinal que morreu (formiga não usa celular) ou se apaixonou por uma formiga de outra região. Isso é até comum já que as formigas exploradoras são fortes, esbeltas e protegem bem as suas amadas. A maior alegria é quando uma delas consegue voltar e carrega consigo a prova de que encontrou comida. Outro dia pude perceber uma carregando um pedaço de bombom de licor que eu deixei cair no chão. Aquele dia, lembro-me bem, eu estava com frio e me joguei para debaixo das cobertas com uma caixa de bombom de licor. Agora as migalhas eram como ouro para elas. Me deu até uma sensação de felicidade em poder ajudar alguem.

O fim da minha pesquisa foi em frente ao formigueiro central, que fica do lado da geladeira. Alí, elas devoravam o que sobrou dos meus bonbons de licor, numa grande festa dançando e cantando alto. Batiam cabeça umas nas outras, contra a parede também e riam sem parar. Algumas estavam num canto olhando para um quadro que eu pintei chamado "O Olho", filosofando a respeito e discutindo sobre a dialética de Platão. Enquanto isso as formigas exploradoras agarravam todas as mais gostosas da festa.

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