GENERATION X ou Todo progresso é suicida
por André "Cardoso" Czarnobai

Nada dá em nada. Toda evolução resulta em morte. Qual então o motivo de apressar a morte, encurtar a existência? Progresso é uma bala na cabeça, a navalha no pulso e a forca no pescoço. Quanto alarmismo, não é mesmo?

Essa idéia me assaltou quando conversava com meu avô, dia desses. Contava-me sobre os alunos e alunas de educação física que tinha, e diz que lembrava-se deles em grande quantidade, e em diversas idades. Diz que as normalistas, que na época era o nome dado ao segundo grau com magistério, tinham em média 23-25 anos. Isso nos anos 40. Hoje em dia, a idade média é em torno de 16-18.

Claro que isso era o panorama do interior do Rio Grande do Sul nos anos 40, um lugar que pode ser tido sem sombra de dúvida como "desolado". As coisas mudaram, evoluíram, progrediram e hoje em dia os jovens de 18 anos de Dom Pedrito, Montenegro, Venâncio Aires, Caxias do Sul, Alegrete e Minas do Leão invadem as universidades do nosso estado e de todo o país. A maioria das meninas acaba formando-se em um curso superior com idades entre 23-25 anos atualmente.

A corrida do interior para as cidades está tornando o interior em metrópole e as metrópoles em caos. Vide São Paulo e as cidades do interior paulista. Não há remédio, não se deve e nem se pode privar nenhum ser humano do direito de educar-se. É natural essa evolução: o agricultor começa a ganhar dinheiro, então constrói um pequeno império. Nas complexas relações de troca que desenvolvem-se até que chegue a ter algum prestígio, acaba relacionando-se com muitas pessoas que receberam educação e cedo ou tarde percebe o quanto poderia ser melhor sucedido se tivesse alguma. Logo, catequiza os filhos para que cresçam, vão para a cidade estudar e voltem para aplicar o conhecimento na empresa da famíliam para fazê-la prosperar ainda mais. E quem poderia imaginar que isso pudesse vir a gerar um processo nocivo?

Partamos da hipótese de que o filho do agricultor foi bem sucedido e formou-se com louvor. Aí chegamos a dois problemas básicos:

Se o filho do agricultor não volta ao campo, fica na cidade e ajuda o crescimento dela, além de incrementar a sua população, gerando mais demanda para a máquina ao mesmo tempo que produz. Ignoremos isso.

E se o filho do agricultor volta? Naturalmente ele vai ajudar a fazer com que a sua empresa prospere no mercado local. Para que isso dê certo, é necessário que outros pequenos negócios prosperem também, causando assim um desenvolvimento na economia local, com possível inflação. Bom sinal, isso indica que o mercado está em expansão. Só que o mercado em expansão acaba por esgotar-se na fruteira, no bar e no mini-mercado e aí o cara precisa ir até a capital pra comprar a bateria pro celular. Mas em pouco tempo, novas empresas precisam surgir para suprir as necessidades do mercado, que agora é bem maior. Esse processo acaba por trazer asfalto para as ruas, iluminação e água para as casas. De certa forma, transformar o rural em urbano. E o raciocínio é fácil: mais asfalto = menos verde. E pior: catequisa as novas gerações com o nosso bom e velho imperialismo capitalista, enchendo de sonhos artificiais a cabeça do carinha que só precisava de uma hortinha, meia dúzia de galinhas e uma vaca para ser feliz.

Fora o sotaque, que outro tipo de diferença têm os habitantes de Blumenau, Piracicaba ou Planaltina de qualquer outro habitante de qualquer outra cidade do mundo? As necessidades são as mesmas. Todos querem mistubishi, tv, playstation, internet, maconha, música eletrônica e comer a Sandy, logo somos todos iguais. Urbano e rural agora são conceitos aplicáveis somente à geografia.

Mas isso não se aplica somente à expansão territorial da raça humana, é fácil verificar no próprio desenvolvimento do ser humano uma velocidade excessiva na conquista de objetivos. Agora estudamos cada vez mais cedo, pra ficarmos adultos cada vez mais rápido. Queremos beber mais cedo, fuder mais cedo, trabalhar mais cedo. Queremos resposabilidade mais cedo, queremos abreviar nossa infância e pular da adolescência quase que direto para a vida adulta. Mas pra quê?

Isso é tão real que chega a ser psicossomático: dia desses li que meninas andam desenvolvendo características adultas como seios cada vez mais cedo, em torno de sete ou oito anos de idade. Andam menstruando por volta dos nove, ou seja, amadurecendo mais rápido. A mortalidade infantil é cada vez menor, a expectativa de vida é cada vez maior e o mundo está chegando perto da sua lotação máxima, dizem os cientistas. Dizem também que em 100 anos não teremos mais muita água e a falta de um controle mais rigoroso na transgenia pode nos deixar até sem comida ou pior - completamente à mercê das grandes companhias alimentícias.

As pessoas andam fazendo tudo mais cedo. O que é irracional e não faz nenhum sentido. Hoje em dia a expectativa de vida fica em torno dos 70 e poucos anos e aos 9 elas já estão menstruando. Muitas aos 15 já usam drogas e tem uma vida sexual bastante ativa. Tá, e aí? Aos 40 vão ser avós e a partir daí só um loop de experiências já conhecidas levará em pouco tempo ao tédio inesgotável. E se todos os objetivos possíveis são atingidos aos 40 anos? Criam-se novos objetivos? Mas e quando não há mais novos objetivos? Quando a conquista dos antigos objetivos está atrelada a uma malha tão complexa que é impossível evoluir, o máximo que se pode fazer é manter-se naquele ponto. O estranho é que quando a expectativa de vida era em torno de 40 anos, a maioria tinha uma vida mais casta e nem usava drogas. Claro, naquele tempo casava-se mais cedo: meninas de 16 anos eram esposas potenciais. Meninos iam a puteiros com 13, 14 e o máximo que pegavam era uma gonorréia sarada e talvez um safanão dos pais mais tarde, isso quando não eram louvados pela atitude.

Mas as relações entre as pessoas eram diferentes: não se havia muita escolha. Casamentos de conveniência e prostituição não são exatamente bons exemplos de relação entre as pessoas. Envolvem dinheiro, insatisfação psicológica, curiosidade, imposição ou baixa auto-estima, somente. Fatores muito freqüentes nas relações, naturalmente, porém não tão pronunciados quanto na entre o piá e a puta. E também aí já estou me desviando do ponto.

O que eu quero dizer é que ao conhecer mais coisas, evoluir, prosperar, progredir, mais cedo as crianças conhecem a parte ruim dos sentimentos entre as pessoas, assim como o progresso das cidades faz com que estas conheçam a sua degradação precoce. Apaixonam-se aos 10 anos e tentam matar-se com overdose de Lexotan e Velho Barreiro quando não são correspondidos. Exemplos extremos, claro, mas existem. Efeitos colaterais do progresso, aberrações semelhantes aos serial-killers e à chuva ácida.

O progresso de qualquer tipo ou forma só é capaz de um feito: aproximar a obra do fim, abreviar a existência. Quanto mais rápido se evolui, mais rápido se fenece. Quanto mais a cidade cresce, mais pessoas nascem e vivem por mais tempo, menos espaço há. Quando acabar o espaço, acabou-se o mundo. O mesmo acontece com as pessoas: quanto mais rápido ficam sabendo das coisas, mais rápido se acabam, esgotam-se em si mesmas. "Saber" aqui no sentido de compreender, não de conhecer. Claro que não é possível conhecer absolutamente todas as coisas, contudo é possível amadurecer somente até um certo ponto definido, apesar de bastante particular. Depois disso, só a constância tediosa até a morte. E morrer é o fim. E nesse sentido, compreender signfica saber, que, de certa forma, signfica amadurecer. Assim, o saber mais cedo é o mesmo que morrer mais cedo.

Já dizia Raul Seixas (sem querer soar hippie): "Queria ser burro, assim não sofria tanto". Saber também é igual a sofrer e não temos escapatória disso. O destino da humanidade no começo dos anos 80, com CFC, falta de preocupação ecológica e pouca ou nenhuma lei para controle de poluição era comparável a um automóvel indo a 80 km/h em direção a um abismo, metáfora muito usada pelos pesquisadores mais pessimistas e fatalistas da época. Diziam que não adiantava nada diminuir a velocidade, referindo-se às leis de meio ambiente que começavam a ser implementadas. Só adiantava mudar de direção.

Mudamos, de fato. Estamos indo em diagonal para aquele mesmo precipício, e enquanto ele não chega, desviamo-nos para dentro de nós mesmos. Resolvemos correr em direção à nossa morte na frente do carro, nem que seja pra chegar no abismo e perceber que ele não passava de uma ilusão, e tudo que restar ser tão entediante e vazio quanto a própria vida que vivemos. Estamos envenenando nossas relações, contaminando nossas índoles e subvertendo nossa moral cada vez mais e mais.

O progresso nos empurra a um abismo, semelhante ao colapso enfrentado pelo planeta. Da mesma forma, o abismo se desenha no horizonte de forma gradual e quando percebermos a profundidade do buraco estaremos já nos primeiros vinte metros da queda.

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