L'amour
por Taís Campelo

Vestia preto da primeira vez que a viu. Cabelos soltos desgrenhados, Estela e sua maquiagem borrada, caminhando veloz para vencer a distância entre o corredor e a porta. Cabeça baixa e andar rápido, livrava-se das pessoas que lhe impediam a passagem. Sacudia o braço para que o boyzinho metido a freak a largasse. The Smiths fazendo a trilha sonora. Quarenta e sete segundos até chegar a saída, onde ele, fixo, apaixonava-se.

Olhos grandes e muito negros. Cabelos crespos, escuros, um pouco acima dos ombros, cobrindo de leve as orelhas pequenas. Pele alva, lábios finos e boca mínima. Corpo frágil, magro. Olhar perturbado, fundo e triste. Cílios longos e sobrancelha fina, com uma cicatriz discreta no supercílio esquerdo. No anular da mão direita, uma meia-lua de prata decorava a mão pálida. Na parte posterior do pescoço longo, as consoantes “m” e “c” tatuadas.

Seus aspectos não humanos o fascinavam. Era um ser ficcional. Delírios que enfeitiçaram Camilo. Seus surtos histéricos era o que cria ser o mais autêntico de sua personalidade. Pobre rapaz, não imaginava ser tão fácil confundir peculiaridade com desequilíbrio . Ele afirmava ser ela diferente das outras, e realmente o era. As outras não miravam indefesos cachorrinhos com o carro a 60 km/h só porque eles costumavam mijar nos pneus traseiros. As outras não tinham por hábito atirar objetos pela janela do prédio porque eles não funcionavam devidamente. As outras não rasgavam todas as peças de roupa que o atual namorado ganhou de uma ex, isso quando ele as está vestindo em um jantar entre amigos. Não, Camilo, ataques de ciúme convencionais não geram pulsos cortados, e não és tu o surdo por não escutar as vozes que ela está ouvindo. Forças externas não agem contra vocês, nem ninguém os persegue. Acredita-a única em seus pensamentos dissociados e falas incoerentes? Posturas anormais ainda te atraem?

Estela passou a sentir nojo de tudo. Dizia haver micróbios na saliva, por isso não o beijaria mais. Era do tipo que sempre saía correndo da cama para o chuveiro depois de uma trepada. Não suportava nem o próprio suor. Camilo procurava compreender e não se magoar. Mania de lavar as mãos constantemente ela já tinha. Também não suportava pessoas que falavam muito próximas a ela. Doida de atar, mas ele não via. A preocupação surgiu quando ela esbofeteou um primo de Camilo sem algum motivo aparente. Semanas mais tarde foi internada. Esquizofrenia.

- Alô?
- Camilo?
- Sim, é ele.
- Sou eu, Estela.
- ...
- Tu não vais pro céu, sabia?
- Não, não vou não.

Isolaram Camilo por algum tempo. Pelo seu próprio bem.

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