Naufrágio
por Taís Campelo

Vinte e três horas e quarenta minutos, recebendo mensagem 1 de 1. Um convite para festa chegava para Helena via e-mail, dia dezenove, sexta-feira, a partir das vinte e duas horas, na Solid, um desses bares da última última moda, onde todos vão para verem e serem vistos, um lugar extremamente fashion e moderno que, em alguns meses, perderá seu brilho e seus clientes para outro bar, mais fashion e moderno ainda, e do mesmo proprietário. A vida noturna na província de Porto Alegre, consumação mínima feminina dezoito reais.

Um ambiente como esse demanda roupinha cool, e lá está Helena garimpando o shopping center na manhã seguinte. Estilo é tudo hoje em dia, taí a Glória Kalil que não me deixa mentir. Na dúvida entre uma produção neo-punk-ninfetinha ou algo mais pseudo-intelectual-pós-moderno, opta, simplesmente, por algo que sirva. Seis quilos não somem da noite para o dia, mas Helena, confiante, leva para a casa a calça um número menor que o seu, com a missão de conseguir vesti-la até o final da semana. E, naquela tarde, ela foi para o inglês sem almoçar.

Pediu pra mãe comprar mais brócolis e alface, cenoura, um pouco de aipo e ervilhas. Terça era dia de super e, apesar da insana vontade de abocanhar o pacote de Bono doce de leite, conteve-se. Jantou uma maçã e comemorou os novecentos e setenta gramas perdidos com um brinde de Ice Tea diet. Menos três quilos e ela consegue fechar o zíper. Antes de dormir, baixou os mails para saber quem já havia confirmado a presença na festa.

Ao saber que Marco Aurélio iria, providenciou uma hora com a depiladora. Virilha e meia-perna, só por precaução. O regime emergencial de Helena estava surtindo efeito, pois, num primeiro teste, a calça passou pelas coxas roliças sem grandes dificuldades. Na quinta-feira à noite, foi à aula sentindo-se magra, bem humorada apesar da cólica pentelha no ventre. Passou corretivo nas olheiras fundas, soltou o cabelo e aproveitou o intervalo para combinar uma cervejinha com as gurias antes de irem pra Solid. Chegando em casa, foi conferir a balança. Estava um pouco inchada, mas a calça estava quase fechando. A partir amanhã, vai cortar também a alface.

Fincadas na barriga, costas esmagadas e sono, muito sono. Levantou da cama às três horas da tarde, fraca, e com uma desagradável sensação molhada entre as pernas. O fluxo havia manchado a calcinha, o pijama, o lençol, o colchão e Platão, seu urso de pelúcia. A merda de nascer mulher é ter que passar a vida jorrando sangue pela boceta. Arrastou-se até o banheiro para um banho escaldante. Fechou o chuveiro um pouco tonta, tropeçando no tapete do lado de fora do box. Enrolou-se na toalha com o cuidado de não sujá-la. O remédio pra cólica que tomou não parou no estômago nem dois minutos. Expelindo secreções diversas por canais variados, pensou Helena antes de desmaiar no corredor.

É. Meninas anêmicas não podem fazer festa.

Volta ao Não 71