Batatas

Por Marcelo Benvenutti

Tenho fetiche por batatas. Sei. As pessoas, aqueles seres que têm direito a voto e, de vez em quando, respiram oxigênio e liberam gás carbônico, aliás, dia desses um ecologista me disse que deveríamos parar de liberar gás carbônico e eu respondi que isso era parte de um processo do metabolismo humano e logo depois ele respondeu: então devemos alterar o metabolismo humano, e eu respondi que isso só com alterações genéticas e ele berrou, alterado: mas isso é politicamente incorreto, e, ãhn, voltando ao assunto, qual era mesmo? Ah, as pessoas! As pessoas têm fetiches por coisas mais comuns. Umas por pernas. Por narizes. Calcanhares. Ah, calcanhares ... Outras por automóveis. Elevadores. Relógios-ponto. Talvez, e só talvez, elas não conheçam as batatas. Cada vez que abro a geladeira e olho aquelas batatas, disformes, arredondadas, esperando ser descascadas, desnudas e devoradas, fico tenso. Elas me provocam com suas reentrâncias e protuberâncias sensuais. Então pego a faca, sento num banquinho, ao lado da mesa da cozinha, e começo, calma e pausadamente, a fazer furinhos na batata. Tiro aqueles machucados, aqueles pretinhos e vou limpando e alisando a casca. Depois, começo a tirar a casca. Aquela casca aos pedaços, como se fossem as roupas de uma mulher jogadas do lado da cama, dentro de um pratinho. Então, e só então, a batata fica a me observar e eu a namoro por um bom tempo enquanto mastigo sua casquinha. Depois começo a passar a língua pela batata, dando uns chupões aqui e ali pra sentir o gostinho, salivando nos seus contornos. Quando termino com a casca, começo a picar, delicadamente, a batata e vou acelerando os movimentos até deixar ela totalmente retalhada. Então começo a esmagá-la, cada vez mais forte, com minhas mãos. Batata crua. Eu te amo. Picada. Eu te amo. Esmagada. Eu te amo. Vou fazendo isso, com muitas batatas, durante horas, até juntar quantidade suficiente pra cozinhar e fazer uma preparado grudento a que chamamos de pirê. Ah, pirê. Grudento. Pegajoso. Coloco o pirê num prato e peço pra ela, bom, ela é ela, e não tem nome, comer aquela pasta quente, junto comigo, e então, barriga cheia, nus, nos abraçamos e dormimos várias horas. Sexo? Vocês não entendem nada de fetiches mesmo. Ah, existem outras batatas, claro. As das pernas. Mas essas não guardo na geladeira.