A lenda do Rei Baião

Por Gustavo Franco

 

Até mesmo o velhinho da padaria tem dúvidas em relação à existência de um dos mais polêmicos soberanos da História Mundial das Monarquias: o temível Rei Baião, senhor das terras de Xurupitanga, no sertão do Piauí. Os mais céticos dirão que se trata de um auto-plágio do cronista, que já enalteceu as aventuras do bandoleiro Robin Rude, Príncipe dos Baiões (peça teatral desaparecida após uma pane do computador). Na verdade, este último, embora de grandiosidade inquestionável, é apenas um produto fictício, ao passo que o Rei Baião foi um personagem tão real quanto a descoberta da rapadura. Ao menos é o que se relata nas rodas de repentistas piauienses, onde são exaltadas dezenas de heróis dos idos sertanejos. Um desses repentes conta que "Jacó João foi um cabra danado de bão, mas nunca tão bão quanto o porreta Baião". Datada de 1950, ou coisa parecida, é a primeira referência histórica a este guerreiro, fundador do delirante Reino da Cruz Deitada dos Severinos, independente do Brasil e com capital em Xurupitanga, um povoado que desapareceu após uma tempestade de areia. Por uma questão de cunho científico, e na possível falta de assuntos mais interessantes, pesquisadores realizaram vasta procura por maiores detalhes sobre a vida do intrépido monarca. Os resultados foram surpreendentes, mesmo porque nunca se soube nada a respeito do controvertido (?) tema.

É desconhecida a data de seu nascimento, bem como o local em que ocorreu. Nem se pode dizer, com absoluta certeza, a sua identidade. O mais provável é que Rei Baião tenha sido o título popular dado ao ex-soldado Luiz Babosa, um dos destaques da guerra de Canudos. Infortunadamente, seu nome foi retirado do clássico "Os Sertões", de Euclides da Cunha, depois que Babosa disse, em altos brados, que o autor não passava de um "corno manso" (acusação não totalmente inverídica, como se soube mais tarde). Literariamente desprezado e sem se conformar com a derrota dos rebeldes, refugiou-se no interior, à procura de reforços para uma nova investida contra a República Velha. Mas decidiu ficar por lá mesmo, instalando-se na já decantada Xurupitanga, onde conseguiu emprego como bibliotecário. Esta experiência mudaria definitivamente a errática vida de Babosa, que, apaixonado por contos medievais, foi tecendo lentamente a idéia de criar a primeira cavalaria sertaneja, com dezenas de cavaleiros reunidos em torno da Távola Dodecagonal (ou melhor, do Decagonal, o dono do boteco), dispostos a libertar o povo indefeso das garras dos tiranos opressores.

A versão semi-árida de Dom Quixote não tardou a dar início à sua ambiciosa empreitada. Conseguir seguidores não foi grande dificuldade, já que o povoado estava repleto de desocupados. Logo surgiriam nobres combatentes, rebatizados de acordo com as maiores riquezas culinárias da época. Os de posição mais elevada eram "Sir Paçoca", o bravo, "Sir Sarapatel", o mutcho bravo, "Sir Macaxeira", o bravo mesmo, e "Sir Queijadinha", o que não tinha nada de bravo, mas pelo menos arranjou os jegues para montaria. O primeiro ato de bravura (repetição que já se tornou irritante) dos notáveis cavaleiros foi tomar de assalto a desabitada prefeitura de Xurupitanga. Proclamando-se soberano eterno do vilarejo, Luiz Babosa dava o primeiro passo para concretizar seu grandiloqüente sonho de se tornar a esperança nordestina contra os déspotas sulistas.

Mas por que "Rei Baião"? A explicação é tão confusa que desafia os padrões da compreensão humana. De todo modo, vamos a ela: como "Rei Babosa" não soava esteticamente muito bem, Luiz decidiu adotar o nome "King Byron", em homenagem a Lord Byron, seu poeta favorito (embora Babosa não entendesse patavina de inglês). Sir Paçoca, no entanto, achou a criação deveras esnobe, tendo sugerido seu aportuguesamento para "Rei Bairão". Ocorre que o já notoriamente bravo guerreiro ostentava um pequeno problema de fanhez que dificultava a emissão de certas palavras. Ainda assim, o monarca gostou da proposta, assumindo, a partir daí, o alter-ego de REI BAIÃO. Esta versão é 100% verídica e se encontra registrada na antiga obra "Glossário da Corte de Xurupitanga", cuja única edição se esgotou após um fulminante ataque de cupins.

Findo este intervalo esclarecedor, prossigamos com a trajetória do Reino da Cruz Deitada. Decidido a expandir seus domínios, Rei Baião reuniu seus cavaleiros e anunciou que havia declarado guerra ao Brasil e a qualquer outro país que ousasse desafiá-lo. Em pouco tempo, o exército de Xurupitanga contava com mais de 50 soldados, armados com as peixeiras mais modernas da região. O pretexto para o conflito foi o misterioso falecimento do embaixador severino em Salvador. Na verdade a "causa mortis" foi uma terrível crise de indigestão, mas o fato foi devidamente dramatizado para servir de motivação à épica cruzada. A primeira vítima foi a vila de Xocilândia, cujos trinta habitantes foram impiedosamente aprisionados e obrigados a mudar de nacionalidade. Cinco meses depois, Baião era soberano de mais de quinhentos súditos e oito povoados. A expansão dos domínios xurupitanguenses preocupou as localidades vizinhas, que pediram auxílio ao Governo Federal. Tropas foram enviadas ao Nordeste para a revanche de Canudos, mas a tão anunciada batalha jamais aconteceu, pois ninguém sabia ao certo como chegar a Xurupitanga. Estava consumado, embora de uma forma bem menos romântica que a decantada nas trovas locais, o retumbante triunfo do Rei Baião.

Obscuros são os relatos sobre a morte do festejado líder. Alguns sustentam que ele foi traído por Sir Macaxeira, suposto amante da Rainha Guinevéia. Baião teria se ferido gravemente em duelo contra o desafeto, vindo a falecer logo depois. Os discípulos mais exaltados, contudo, juram que é tudo intriga de historiadores invejosos, e que o Rei Baião teve morte natural aos trinta e cinco anos. Seu corpo foi enterrado na Capela da Cruz Deitada, cuja localização permanece desconhecida. Segundo a crença popular, um dia ele retornará para finalizar a libertação nordestina, que culminará com a formação do Sacro Império Severino de Salvador, já rebatizada como "New Xurupitanga".

Essa é a história da última monarquia sobre solo brasileiro. É claro que existem outros mitos a seu respeito, mas de veracidade e originalidade discutíveis. Não se tem notícia de que o Rei Baião deixou filhos, nem se a profecia sobre sua volta de cumpriu. Também permanece a dúvida sobre o local de seu sepultamento, questão que vem mobilizando os mais renomados arqueólogos de Teresina. A mais valiosa conclusão que se tira disso tudo é que Antônio Fagundes seria o ator perfeito para o papel de Rei Baião, em uma futura Série de TV. O resto permanece sendo pura especulação.