Má-fé (ou Sermão da Sexagésima)

por Vanessa Zéfiro

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Fechei a boca, parei com todas putarias possíveis. Um bocado de má-fé alheia me fez mudar um pouquinho. Queria enviar cartas feito as do Unabomber, mas ele é muito chato. Eu mandaria cartas bomba recheadas de Pessoa. Poesia: subversão via enlevo da alma. Nada demais. Queria, mas não mando. Ao contrário, mando um monte de besteira agressiva e leviana. Sacanagem de supermercado - pré-cozida, pronta pro forno. É essa merda de medo. Não arrisco, agrado. Todo mundo gosta de ouvir uma garota dizendo: eu, chupadora de xoxota, mas pouca gente dá ouvidos ao nada - o vazio que me inunda, me abisma, que, enfim, me define (nos define?). Toda poesia vai a merda num minuto de sacanagem - de boa sacanagem, bem entendido. Todo amor se esvai numa chupada furiosa. É que quanto mais vazio, mais agradável. Uma questão de conforto, praticidade, pré-cozidos em geral. Pronto, embalado, pasteurizado para agradar o público consumidor. Cartas bomba não fariam mais estrago. Ponha alma nessa merda toda e você tem um hit. Basta um refrão agradável e algum apelo sexual - põe a mão no joelho, dá uma agachadinha, esse tipo de coisa. Há um refrão: eu, chupadora de xoxota. Eu, idiota. Eu. Má-fé é foda. Supermercados são lugares oportunos pra falta de sensibilidade na escolha de um salgadinho - Cebolitos é forte demais. Livre de todos os pecados, enfim - nesse caminho em que fazer é desfazer, revelar é esconder. A putaria se converte em oração e nós, consumidores, a repetimos. Não há tesão, é pura perda de tempo. Não há alma. Nada. Sou adepta das cartas bomba, definitivamente. Ecce exiit qui seminat, seminare: é a função do caixa de supermercado - ou de um escritor, tanto faz. Sou pela má-fé como esporte. Dolo a quem merece - eu inclusa.