UMA DE MINHAS MORTES

por Soares House

eun@onda.com.br

Daí eu fechei os olhos e morri. Um pouco antes eu tive medo mas daí eu pensei: ah chega, vamos ver o que
rola. Por um instante (eterno?) senti a abstração absoluta de simplesmente ser. Mas não era ser. Era um meta
verbo muito maior que To be - que engloba ser e estar - , eu não pensava em latim ou esperanto e eu também
não via as cores como espectros diferentes da mesma luz, não havia prisma, não haviam ondas sonoras e
nem eletromagnéticas tudo era simplesmente - eu. Eu era (seria, sou, será... - não havia tempo também). E eu
me senti lindo e agradável e sabia que isso era o momento de gozo do universo naquele instante (eterno?),
daí quis sentir a dor e o horrível e eu era a ferida ácida e agonizante do universo do fracasso e do medo, mas
decidi não ter medo, pois era tudo tão intenso e lógico agora, eu simplesmente sentia que existia, e tudo que
eu conhecia até então, e tudo era parte de mim. Meu gozo era todas as alegrias e conquistas de universos de
todos os tempos em um só instante (eterno?), e minha dor todo o seu terror e angústia. Mas nada tinha nem
deveria ter razão ou explicação. Eu não era físico, eu não tinha um corpo, por isso podia ver as coisas de
vários pontos de vista, vivi em instantes (eternos?) as vidas de todos vocês, de todos os cachorros, gatos,
ornitorrincos, dinossauros, brócolis , computadores, robôs, amebas, estrelas, cometas, palavras, músicas,
bolhas de sabão. Daí por certa nostalgia da linguagem, por talvez um certo receio de perder a intensidade, ou
simplesmente solidão eu dei um grito: DEUS!!!!!!!

- Hahaha. Ta pensando que você é quem seu mané?? O cara??? - disse uma garota linda e
fosforescente que sugiu diante de mim.

- Eu não penso nada, simplesmente existo. Essa é minha única certeza. E se as outras coisas existem,
existem tanto como eu e da maneira que eu as vejo. Como não sou matéria a sua matéria é meu corpo
agora.

- Hahahaha. Ta pensando que é o cara!! Se liga meu, tem uma porra aí que os tais de espíritos
evoluídos chamam de KARMA, tá ligado? Os que tem corpo tem que ficar pagando pelas vezes que
não estavam ajudando o universo a evoluir e tavam se divertindo com as vantagens de ter um corpo
enquanto ele não apodrece. E a gente fica aqui ajudando eles a se ligarem das cagadas iluminando
seus pensamentos.

- Ah não vem cagar regra aqui não. Eu morri. Consegui ter o máximo da experiência metafísica e você
vem aí falando minha língua, com um corpo de gostosa querer me fazer trampar até depois morto.
Nem fudendo.

- Puta merda mais um zombeteiro apegado naquele planetinha azul. Tá. Tá. Vamos descer lá mexer uns
copos e atazanar uns bêbados.

Senti que eu estava entendendo mais humanamente as ondas eletromagnéticas, consegui até mexer alguns
copos, falar algumas besteiras prum doidão viciado em Baudelaire e esconder uns cds duma menina que
acredita em duendes. Mas toda esse mundanismo me deu uma saudade do meu corpo, da certeza de ser o
Guilherme. Aquele espírito da guria sempre vinha com aquele papo de karma, que tinha que reencarnar pra
pagar e bla, bla, bla. Nunca dei muito ouvidos a ela mesmo, e desde vivo sempre fui do contra. Eu sou mais
eu. Fui lá no instante em que decidi morrer. Me vi tendo convulsões depois de uma bad trip resultado de uma
semana enchendo a cara se chapando e tomando ácido, deprimido por uma dor de cotovelo. Olhei nos meus
olhos vazios. Fechei os olhos e vivi. Na hora fiquei confuso, entrando de novo no espaço tempo. Camisa de
força e 15 dias de haldol. Saí da clínica e fui voltando a rotina, passou o tempo e da depressão cheguei na
alegria que estou aqui a contar esse episódio. Mas pra não confundir prefiro afirmar que é tudo imaginação.
Um instante (eterno?)