Nota da editoria: Pra gurizada que não sabe, Domingos de Oliveira é o cara. No cinema, fez "Todas as mulheres do mundo" (1966), "Edu coração de ouro" (1967), etc. Na televisão, nos anos 70, fez as séries "Ciranda cirandinha" e "Aplauso". No teatro, fez "Somos todos do jardim de infância" (1964), montou Gogol, Ibsen, Vianninha, Chayefsky, Moliére e sua filha Maria Mariana em "Confissões de adolescente"  (1992). Voltou ao cinema depois de 20 anos com "Amores" (1998) e autorizou o Não a publicar o seu "Dogma".

 
DOGMA

Domingos de Oliveira
 

QUANTO À FOTOGRAFIA:

1. Sem falar no roteiro, a fotografia é o que mais envelhece, enrijece e empobrece um filme. O filme brasileiro peca por excesso de luz. Cada plano deve ter pontos estourados e, se possível, zonas escuras. Quanto maiores os contrastes de luz, melhor o plano.

2. A fotografia não pode ser realista, se é que isso existe. Necessita sempre um toque de delírio.

3. O Documentário é sempre delirante.

4. AS CENAS TÊM DE SER FEITAS COM SUA LUZ NATURAL, SEMPRE QUE POSSIVEL.

5. A COLOCAÇÃO DE QUALQUER OUTRA ILUMINAÇAO DEVE SEMPRE REPRESENTAR , PARA O FOTÓGRAFO, UMA IMENSA RESPONSABILIDADE, MESMO QUE SEJA DE UM PEQUENO REFLETOR.

6. Toda e qualquer iluminação colocada artificialmente resulta, em menor ou maior grau, numa não credibilidade e numa queda de emoção da cena.

7. O cinema (e particularmente o vídeo) capta cores demais, muito além do olho humano, o que resulta em desastrosa falsidade. DEVE SER EVITADO QUALQUER EXCESSO DE COR, E PRIVILEGIADO O MONOCROMÁTICO. O bom cinema é em preto e branco. O bom filme em cores deve ser quase em preto e branco.

8. É preciso SEMPRE, SEM EXCEÇÕES, ESTOURAR OS FUNDOS E AS LÂMPADAS, no nível de Cassavetes e da maior parte da Nouvelle Vague ou Cinema Novo.

9. O DIAFRAGMA DEVE SER SEMPRE AJUSTADO PARA O ROSTO DOS ATORES

10. Devem ser retirados do roteiro os planos que não permitam o uso das normas anteriores.

11. Recursos como filtros atenuadores da cor ou fumaça são válidos .

12. OS CONTRALUZES SEM LUZ NO ROSTO E, PARTICULAMENTE, AS SILHUETAS, DEVEM SER AVIDAMENTE PROCURADOS, COMO WELLES FAZIA.


QUANTO AOS ATORES :

1. O DIÁLOGO DOS FILMES BRASILEIROS É LENTO, ESTÚPIDA E CONSTRANGEDORAMENTE LENTO. Por mais rápido que você represente um plano, estará sempre representado lentamente. O veículo é muito comunicativo, entende-se tudo.

2. Não hiper represente. Faça pouco. Se estiver achando que está fazendo pouco demais, FAÇA MENOS AINDA.

3. O Teatro é o Stanilavski mais o mostrar que se está fazendo Teatro.  No Cinema é só o Stanilavski, se possível levado às ultimas conseqüências.


QUANTO À DIREÇÃO:

1. TUDO É A NARRATIVA, E TUDO EM FUNÇÃO DA NARRATIVA.

2. UM FILME PODE SER TUDO, MENOS LENTO. Uma vez que uma coisa foi dita não pode ser repetida, há que ir em frente. Falhar nesse ponto, é abusar, insultar a inteligência do espectador.

3. UM FILME TEM UM SIGNIFICADO HUMANO. Este significado é o que importa, está acima da própria narrativa.

4. Dentro do Set, O ATOR TEM A PRIORIDADE. NADA PODE SER FEITO QUE INCOMODE O ATOR, QUE LIMITE, QUE INIBA, QUE TIRE O ATOR DO SEU TEMPO.  UM ATOR NÃO PODE ESPERAR PELA TÉCNICA, FIGURINO OU MAQUILAGEM. ESTA É UMA VERDADE PRIMÁRIA. O RESTO É GROSSERIA.

5. As equipes devem ser mínimas, a qualquer preço.

6. CADA PLANO É UM FILME, tem de ter seu charme e significado se visto isoladamente.


QUANTO AO SOM:

1. O som é importantíssimo no filme e suas exigências técnicas têm de ser respeitadas. NÃO É CERTO PORÉM TEMER A DUBLAGEM OU CONSIDERÁ-LA UMA HUMILHAÇÃO. Sempre que as exigências de qualidade do som direto estiverem prejudicando o resultado artístico do filme, ele deve ser posto de lado. Não se interrompe um plano por um acidente no som, pode-se sempre dublá-lo


REGRAS PRINCIPAIS:

UM PLANO DE PRODUÇÃO NÃO PODE SER ESTOURADO (ao contrário das lâmpadas ). ASSIM COMO UM PINTOR NÃO DEVE PINTAR NA MOLDURA DO QUADRO NEM NA PAREDE QUE A CERCA. Está é uma regra sem exceções. A velocidade do processo é função do plano de produção e DETERMINA A ESTÉTICA DO FILME.

NOSSO MÉTODO SERÁ RIGOROSAMENTE O SEGUINTE:

1. O som se instala. SOMENTE microfones sem fio, sendo resguardado o BOOM para casos especialíssimos .

2. Os atores ensaiam a cena e mostram para o fotógrafo

3. É RODADO UM PRIMEIRO PLANO DE ENSAIO, SEM NENHUMA LUZ ARTIFICIAL COLOCADA, PORÉM COM SOM.

4. Somente depois do exame desse plano é que, COM O MÁXIMO CRITÉRIO, são colocadas as possíveis luzes adicionais e imitações do som.
 

Novembro de 2000, Domingos Oliveira.