MARIAZINHA, EU E A PRIMA
 

Miguel da Costa Franco
 

 

Eu tinha levado a Mariazinha outra vez para casa, altas horas, bêbada como jamais alguém imaginara vê-la, eu dirigindo o forzão com aquele pedalão enorme. Ficara de entregar o carro depois, caía uma chuvinha de dias e eu morava a bem umas quinze quadras dali, sem falar das ruas brabas que tinha de atravessar. Beijara-lhe apenas a bochecha carnuda mas isto ninguém podia ter visto.

Alguém me avisou que seu irmão era faca na bota, assim como quem não quer nada. Ainda foi para a zona depois, comentaram. E eu havia ido mesmo, lá para a pensão da Marlene, que era ali pertinho da casa dela, mas não tinha comido ninguém, só tinha deixado uma morena coxuda que trabalhava lá me iniciar uma bronha que eu tive de terminar em casa porque não tinha dinheiro para o instante. Também porque estava lá o prefeito, mas isso é melhor não botar aí, o blusão grosso tricotado pela D. Neusa todo furado pelas brasas que ele vivia deixando cair, o palheirão empestando a sala, mas nem a Marlene mandava apagar. Fosse qualquer outro!... A menina dele estava toda azulada pela fumaça, mas bem aboletada no colo dele, metia-lhe a mão entre as pernas olhando para a minha banana descascada e passando a língua na bocona vermelha, eu tinha que ir embora dali para sair inteiro.

O irmão dela veio buscar o carro no hotel de manhãzinha, me olhou muito feio e me prometeu, uma mão estendida para as chaves, a outra apoiada na guaiaca, fazendo questão de mostrar o trinta e-oito e o monte de balas faltando. Era Maria outra vez e adeus, tia chica!, ela que nem sabia de nada. Dormia, dormia, a porranca ainda à meia, imaginando que era moça, mas que podia deixar de ser, eu tinha dito isso para ela, era só achar sua alma gêmea. No caso, dela um corpo parecido ajudava, mas quem sabe alguém que entendesse melhor o problema dela aparecia no seu caminho. Era esperar e ver.

Ela só percebeu que tinha coisa quando acordou com as relhadas do velho Antoninho lhe pegando as paletas descobertas, cachorra, cachorra, dizia, não foi prá isso que te criei, desgramada, o irmão com as botas de montar em plena cidade, a mãe rezando pelos cantos.

Mariazinha desconfiou que não havia jeito para nós – eu sempre soubera, estava só consolando! - e apresentou-me sua prima Clara, bonita que só ela, a primeira prenda do CTG Vaqueanos da Coxilha, morena lustrosa, cabelos sempre bem passados a ferro. Clara era mais arejada que sua prima, o corpo enxutinho e sem defeitos de nascença e, para mim, tinha uma vantagem a mais: filha única de mãe viúva, sem irmão bombachudo. Mariazinha tinha exigido da prima tens de me contar tudo!, e a prima era faladeira, mesmo, e gostava de emprestar a farinheira, como se dizia por toda Vila da Cohab.

Sem saber do trato, fui me acercando, primeiro dançando umas marcas na Semana Farroupilha, depois até falseando o pé com ela lá pelo Patrocínio, que era só dos negros, mas onde me deixavam entrar porque eu estava ajudando com a escola.
Mariazinha acompanhava tudo, conta, conta, pedia para Clara já na madrugadinha do outro dia, tirava a menina da cama, e a safada, no começo, dizia tudo direitinho, um beijinho aqui, uma mãozinha ali, uma espiadinha para o decote, uma roçada de coxa. Mas depois aumentava tudo, acho que só para agradar a Maria, que eu tinha feito isso, tinha botado naquilo, brincado de bezerro desmamado e lambuzado a ponta do salchichão na porta da farinheira.

E a Mariazinha toda excitada, parecia até que era com ela, dizia apenas virgem!... virgem!... e depois se trancava no quarto, e no começo ficava quietinha, mas com o tempo gemia tanto, que a mãe até chamou o padre para benzedura, vamos que teje com o diabo no corpo.

Ia o bombachudo acreditar numa coisa dessas?!, ele que bem sabia das boas artes do chifrudo, quantas vezes peguei ele lá rondando a Marlene, diz por aí que não vai, mas vai, sim, toda quarta-feira. Foi bater no meu hotel, é claro!. Ainda bem que eu não estava e seu Gomercindo, da portaria, me avisou a tempo, pois quando ele despontou na avenida já vinha em trote de vingança, o zaino de cola atada marchando firme para a Prefeitura, mal deu tempo de eu me escafeder.

Mas juro que não fiz nada, seu delegado! Mal e mal dei umas demãos na prima ...