Riding...

Marisy D‘López
 
 

“Pobres, verdadeiramente pobres,
são os que têm pernas que se esqueceram de andar,
como as asas das galinhas, que se esqueceram de voar.
Pobres, verdadeiramente pobres,
são os que vivem dramas passionais com as máquinas”
Eduardo Galeano
 
 

Quando o vento bate nos cabelos, quando a velocidade se faz, o som nos fones de ouvido, o gélido nas pernas, o medo de se estatelar no asfalto, a oração de socorro, o mantra salvador de desgraças maiores se eleva, ela se sente feliz! Dona do mundo!

É muuuuito bom ser nada! Ser ninguém! Liberdade infinita. Não ser ninguém. Apenas mais um índio na tribo! Deixar que os chefes se digladiem!

Enquanto a Yeda Cruzis(!) proclamava junto ao PMDM a fatídica contrução de metrôs, Tarso direcionava a contrução de ciclovias! É a mesma coisa que eu optar pelo lanchinho do Rei MacDono em vez de algo menos plástico.

Andar de bike tem suas vantagens: ausência de azuizinhos, e das horrorosas veias azuizinhas nas coxas; de multa; de flanelinhas; IPVA; emplacamento; lugar pra estacionar; seqüestro-relâmpago; assalto (pobre só anda de carroça, bicicleta ou de brasília); ausência da tétrica “celula” da meia-idade; elogios rasgados, assim como: “coroa sarada”, “tia enxuta”! Encabula, mas acontece.

É. A Jurema 3 tem lá suas vantagens. A Jurema 1 esvaiu-se em ferrugem. De tanto esfalfar-se na maresia das praias. Deu o que tinha que dar. Comprei-a usada na década de 80. A Jurema 2 veio para os meus braços (ou pernas) estalando de nova, roxinha, uma delícia! Até eu ter o cadeado do portão arrombado e ela ter-se evaporado de minhas vistas. Apenas, e só de raiva, comprei a melhor, a mais cara! A Jurema 3.

Às vezes, quando cruzo em trânsitos congestionados com minha Jurema, vejo rostos não menos congestionados nos interiores de suas máquinas potentes. Parece que a felicidade deles durou apenas o breve instante quando da compra de tão belas máquinas. Felicidade é um estado de espírito. E por que este estado de felicidade não pode ser renovado mais continuamente? Já tive vários carros. A cada um deles, um nova felicidade. Depois era só uma rotina; uma roupa velha; extensão de meu corpo. Mais nada.

Mas a Jurema é diferente. Cada vez que ganhamos as ruas do Portinho, aquela sensação já vai tomando corpo, se insinuando, devagarinho, depois como um vendaval, e, quase como um êxtase, a vontade imperiosa de gritar a todo mundo, de cumprimentar, sorrir, amar o motoqueiro que zoa e mentalizar um “Deus te proteja”.

Acho que isto é felicidade.

Tenho vontade de gritar àqueles motoristas carrancudos _ saiam de suas máquinas! Venham ver o mundo! Sentir o vento, o frio, o suor gelado, o coração acelerado, os músculos queimando... Venham sentir a vida! Que ela é muito curta. Por que ficar enclausurados enquanto vivos, se depois teremos que amargar o resto de nossa existência dentro de um exíguo caixão de madeira?

Nem caixão eu quero! Quero ser cremada. E as partículas de meu corpo pedalando pelas trilhas da Praia do Rosa!