Assim desde o princípio

Walmor Santos

Percebo meus olhos abertos na escuridão como se estivera assim desde o princípio do mundo. Sei, tudo ocupa um exato lugar entre paredes estreitas. A lassidão entorpece músculos e nervos, mas não a sofro. Atento, aguço narinas e farejo um cheiro enjoativo de flores velhas. Antevejo a explosão fria, o deslocamento de ar, o bailar do pó. As quatro paredes fechada como um envelope de terra, cumprindo o versículo. Grãos de areia cobrem meus olhos, minha boca, os ouvidos, revelando o peso das trevas. Tateio um cetim puído, que se desfia ao toque das unhas excessivamente compridas. Intriga-me este impulso interior a abalar a estrutura do orgânico. Percebo vida na labuta da própria sobrevivência. Teias de aranha descem do teto, ligam-se às roupas, vêm aos meus braços estendidos em obstinada paralisia, confundem-se com os cabelos que ainda insistem no crescimento. Um ruído de cupins em minhas entranhas. O mofo penetra minhas narinas, atraindo o cortejo dos insetos que acompanham a vida a se esvair, circunvagueiam sobre a purulência. Imperturbáveis, as baratas, com seus fios que não se emaranham, caminham entre os cabelos do peito, sobem ao pescoço já magro, enxugam com seus beijos a baba vaporosa no canto dos lábios. Nesse instante, sei que vermes, bactérias, ratos e formigas banqueteiam-se. Não me perturbam com sua voragem. Cumprem nesse silêncio sem dentes a parte natural. Meus visitantes penetram a janela ocular, visitam o labirinto, descem aos órgãos, passeiam pelo tubo digestivo e seguem abrindo túneis, transformando o inútil (o tempo tem esta propriedade!). Rasgam panos, carnes, chupam ossos e veias intumescidas.

Será que comem velhas fotografias arquivadas nos neurônios?

Não me importo. Já não sinto qualquer espécie de saudade.
 

Walmor Santos
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