Mulher: Melhor não pensar muito

Carlos Gerbase


Falo, rapida e despretensiosamente, sobre dois filósofos importantes, Nietzsche e Kierkegaard, e sobre sua notória incapacidade de encontrar algum prazer com o sexo oposto, apesar de suas mentes brilhantes e de suas contribuições tão importantes para a história do moderno pensamento ocidental. Ambos eram heterossexuais e amaram mulheres, mas não conseguiram jamais transformar essa paixão em felicidade.

Nietzsche apaixonou-se por Cósima, mulher linda e inteligente, filha de Lizt e esposa de seu amigo (e mais tarde inimigo) Wagner. Na época (por volta de 1870), Cósima tinha 30 anos, e Wagner, quase 60. Nietzsche, com menos de 30, brilhante professor universitário, e pouco depois autor de livros que revolucionariam a filosofia, freqüentava a casa de Wagner e sonhava em transformar Cósima em sua discípula e sua amante. Nunca conseguiu, talvez por medo, talvez por incapacidade, talvez porque Cósima não simpatizasse com seu bigode.

Em 1882, conheceu outra mulher, chamada Lu Von Salomé, uma russa que vivia com seu amigo Paul Rée. Repetiu-se a história. Nietzsche viu em Lu Von Salomé alguém capaz de entendê-lo (nisso estava certo, pois a garota escreveu um belo livro sobre o filósofo) e amá-lo (nisso estava errado: ela sempre preferiu Rée). Nietzsche, desde Humano, demasiado humano (1878) escrevia bastante sobre as mulheres. Seus aforismas sobre o sexo feminino são uma mistura de machismo explícito e tentativas - quase sempre muito engraçadas - de encontrar um "lugar" para a mulher na sociedade considerando suas características tão especiais (e inferiores ao homem, claro). Nietzsche enlouqueceu ao poucos, provavelmente por conta de uma sífilis, e morreu 1900, pobre, sozinho e nunca verdadeiramente amado.

A relação de Kierkegaard com as mulheres é mais triste ainda. Ele se apaixonou por uma moça chamada Regine (de Copenhague, como ele) e foi absolutamente correspondido. Ficaram noivos. Tudo se encaminhava para um casamento tradicional. E então Kierkegaard começou a pensar. Pensar demais: se poderia fazer Regine feliz, se o matrimônio era a escolha certa, se ele não se arrependeria mais tarde, etc. Desmanchou o noivado, decidiu dar um tempo em Berlim (onde escreveu Ou isso/ou aquilo) e, quando voltou, Regine estava noiva de outro homem. Kierkegaard amou Regine até a morte e deixou-lhe todos os seus bens. Nunca se interessou seriamente por outra mulher. Enquanto viveu, Kierkegaard experimentou pessoalmente, em doses cavalares, o sentimento de angústia, que descreveu tão profundamente em sua obra.

David Lodge, no maravilhoso romance Terapia (em que Kierkegaard é figura de referência importante), cita a seguinte passagem do filósofo dinamarquês:

"A coisa mais terrível que pode acontecer a um homem é se tornar ridículo
aos seus próprios olhos num assunto de importância crucial,
ao descobrir, por exemplo, que a soma e a substância de seu sentimento não passam de pura besteira."

É isso aí. Pior que a besteira é ter a noção cristalina, absoluta, completa de besteira. Tanto Nietzsche quanto Kierkegaard eram inteligentíssimos e, com toda a certeza, morreram conscientes da sucessão de erros e burrices que praticaram em relação ao sexo oposto. É interessante lembrar que Nietzsche e Kierkegaard investiram pesadamente contra a tradição metafísica e pregaram a volta do homem ao mundo "real", em vez de procurar verdades ideais e inatingíveis. Para Kierkegaard, a existência é mais importante que a essência, enquanto Nietzsche demoliu a tal "essência" platônica em todos os seus livros, acusando-a de causar ignorância e infelicidade para os seres humanos, construindo uma moral absurda e ilógica. Ora, o que seria de esperar destes dois homens tão "práticos" em relação às mulheres? Que eles não se enredassem nas mesmas teias em que caem quase todos os mortais do sexo masculino, ou que, pelo menos, depois cair, soubessem achar uma saída. Eles não acharam. Essencialmente, o que eles fizeram foi estragar suas vidas sentimentais como dois imbecis.

Então, para concluir essas notas, creio que podemos aprender um pouco com estes geniais senhores tão infelizes: em relação às mulheres, é melhor agir mais e pensar menos. Não que o pensamento não tenha lugar importante no mundo sentimental e erótico, mas é melhor colocá-lo em seu devido lugar - subalterno, acessório, complementar. Quando instintos e sentimentos ficam à mercê de raciocínios complicados, pirações intelectuais, conjunções sofisticadas de sistemas filosóficos, só uma coisa é certa: cedo ou tarde, teremos uma infeliz consciência das besteiras cometidas. Acham que não? Perguntem para as mulheres. Tenho certeza que elas confirmarão minha tese. No fundo, é a chuleta no azeite que interessa. Ou não?
 


A escritora francesa George Sand (cujo nome verdadeiro era Aurore Dupin), escandalizou a Paris do século XIX, vestindo roupas masculinas e fumando charutos. Entre seus affairs, figuraram Lizt, Musset e Chopin, com quem viveu por dez anos.

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