O nome é O Sul
José Antônio Silva

O nome é O Sul, mas na verdade o novo diário porto-alegrense não parece ter nenhum rumo definido. Considerando-se o número de colunas – e colunistas, de Rio e São Paulo –, em suas páginas, há quem sugira uma mudança de nome. O Centro, talvez.

Brincadeira à parte, é impossível não amargar uma boa dose de decepção com o jornal, embora a situação da imprensa no Rio Grande do Sul das últimas décadas ensine a não esperar muito.

O que se vê no primeiro veículo impresso da Rede Pampa de Comunicação?
Um jornal bonito: viva às cores e às fotos abertas! Mas morno, requentado pelo excesso de colunas afastadas da realidade do Estado e pela total falta de opinião local. Nem um bom, analítico e opinativo editorial (seja qual for a opinião) o jornal arrisca. O que se lê sob a cartola "Editorial", em sua página dois, é um bilhete de poucas linhas ao leitor.

Com uma bonita casca, não se pode dizer que ele não seja ousado: além de botar ponto nos títulos, vai à luta sem chargista, sem colunista e dá-se ao luxo de, num Estado de forte economia e tradição agropecuária, não contar com bom noticiário do setor primário. Até as tiras de quadrinhos são – todas – importadas, como se não tivéssemos no Brasil e no próprio Rio Grande do Sul artistas de primeira qualidade no setor.

A formatação de custos do jornal parece ter obedecido, mais uma vez (remember Correio do Povo), a critérios de barateamento da mão-de-obra. A Pampa divulgou um investimento de aproximadamente R$ 12 milhões – mas a julgar pelo nível salarial oferecido a seus jornalistas, a compra e instalação do parque gráfico deve ter absorvido a maior parte da grana.

Para a categoria jornalística, fica a contradição: ao mesmo tempo em que deve saudar ao novo diário por existir, ampliar a "democratização da informação" e o mercado de trabalho, é obrigatório reconhecer que trata-se de um jornal recente com um salário (piso) velho e, sejamos realistas, irrisório.

Parênteses: o piso salarial dos jornalistas gaúchos, há anos, não consegue ter elevação, podendo ser considerado, hoje em dia, como um "bico". Assim, boa parte dos profissionais da imprensa gaudéria é obrigada a dividir-se entre dois ou mais empregos para se sustentar com um mínimo de dignidade. Nossa imprensa quer ser grande, se possível ombreando-se, em importância, com os grandes jornais de São Paulo, Rio, Brasília. Mas, ao contrário deles – e deve-se reconhecer que a Zero Hora é uma exceção positiva, nesse caso – não valoriza com remuneração justa os seus profissionais.

O resultado disso, sem qualquer demérito para os profissionais que lá trabalham e procuram fazer o melhor, é que faltam ao O Sul grandes nomes ("para somar", como diria um jogador de futebol que chega a uma equipe formada), que poderiam fazer a diferença na reportagem, na charge, na crônica, no colunismo.

Cultura? Seu segundo caderno ("Magazine") mostra-se voltado apenas para o lado mais fútil da área. São fotos abertas da "modelo-e-atriz" da hora, coluna social, moda, fofocas de estrelas da TV e do cinema. Um lançamento de livro? Um comentário crítico sobre música, teatro, artes plásticas? Uma entrevista consistente com um escritor? Crítica de cinema? Uma crônica (local!)? Nem pensar. Para O Sul, caderno de cultura parece ser apenas sinônimo de frivolidade.

Nem tudo está perdido – ainda. O jornal é novo e afirma ter fôlego para manter-se, garantido pela rede de segurança das rádios e TVs que compõem a Pampa. Mas, se pretende de fato marcar presença, tem que investir, sim, em material humano, e pagar por isso. Se insistir no barateamento das colunas compradas a preço de banana podre no centro do País – com tantos profissionais de primeira linha à disposição no mercado local – corre o risco de não ter identidade. E, como disse um jornalista atento, pode virar apenas uma taxação de luxo.

José Antônio Silva é jornalista e escritor
jose.silva@piratini.rs.gov.br
 
 

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